Numa altura em que a insurgência activa nalguns distritos da província de Cabo Delgado, região norte de Moçambique, desde a primeira semana de Outubro de 2017, vai-se tornando cada vez mais preocupante – ao que se juntam os ataques armados, sobretudo a alvos civis, que têm sido reportados nalguns pontos das províncias de Sofala e Manica, Centro do país, desde finais de 2019, e que são aparentemente engendrados pela auto-proclamada ‘Junta Militar da Renamo’ –, o que se afigura, naturalmente, como matéria de interesse jornalístico, começam a surgir, sobretudo nas redes sociais, situações de clara e crassa ameaça à liberdade de imprensa e de expressão, destinadas, sobretudo, a jornalistas e órgãos de comunicação social que, nos termos da Constituição da República de Moçambique (CRM), da Lei de Imprensa e demais diplomas legais e/ou instrumentos de Direito Internacional de que Moçambique é parte, se interessam pela documentação jornalística da sobredita insurgência.
Uma dessas situações que configuram ameaça à liberdade de imprensa e de expressão, sob o título “brincadeira tem hora”, da lavra do Prof. Julião João Cumbane, Presidente do Conselho de Administração do Parque de Ciência e Tecnologia, uma instituição pública, comporta uma expressa sugestão às Forças de Defesa e Segurança (FDS) da República de Moçambique, para que estas conjuguem “inteligência e acções enérgicas, mesmo as extra-legais, contra as ‘notícias’ miserabilistas” (SIC), o que não pode ser aceitável num Estado de Direito Democrático.
Infelizmente, já se registaram, desde que os actos de insurgência se acham activos em Cabo Delgado, situações de actuação ilegal contra Jornalistas e pesquisadores de direitos humanos perpetradas pelas próprias FDS, como foram os casos, por exemplo, das detenções dos jornalistas Amade Aboobacar e Estácio Valoi, bem assim do pesquisador David Matsinhe.
Face a este tipo de situações, o MISA-Moçambique gostaria de recordar:
1. Que Moçambique é, conforme a CRM (artigo 3), um Estado de Direito Democrático, de que a liberdade de expressão, que integra a liberdade de imprensa, é um dos seus pilares essenciais, sendo, por isso, a todos os títulos condenáveis as tentativas de cerceamento da liberdade dos jornalistas e dos seus órgãos de comunicação social;
2. Que a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão enquanto direitos fundamentais (número 1 do artigo 48 da CRM) na República de Moçambique não se encontram condicionadas por conta das insurgências activa em Cabo Delgado, ou dos actos atribuídos à auto-proclamada ‘Junta Militar da Renamo’ em Sofala e Manica;
3. Que é dever do Estado Moçambicano proteger os direitos dos cidadãos, em geral, e dos jornalistas, em particular, mesmo em situações de guerra, conforme estabelecido na Convenção de Genebra (ratificada por Moçambique em 1983) e seu Protocolo I, igualmente ratificado por Moçambique no mesmo ano;
4. Que em Moçambique a liberdade de imprensa e de expressão enquanto direitos fundamentais apenas podem, nos termos da CRM (artigo 290 e seguintes), serem limitados se se estiver a observar o estado de sítio ou estado de emergência, o que não é, presentemente, o caso.
Igualmente, o MISA-Moçambique gostaria de apelar:
5. Ao Conselho Superior da Comunicação Social (CSCS), enquanto órgão constitucional a quem compete assegurar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão (artigo 50 da CRM), se não mantenha em silêncio em face de situações similares à ameaça do Prof. Julião João Cumbane, condenando-as e exercendo o seu papel de guardião da salvaguarda destes direitos fundamentais em Moçambique;
6. Ao Ministério Público, para que cuide, nos termos da norma da alínea g) do artigo 4 da Lei número 4/2017, de 18 de Janeiro, de demandar a observância da CRM e das leis por parte do Prof. Julião João Cumbane, com o que se efectivará, ainda, a educação jurídica da sociedade;
7. Ao Presidente da República, enquanto Chefe do Governo, para que cuide de garantir que todos os servidores públicos, sobretudo os que exerçam cargo de direcção, chefia e confiança, cuidem de observar, em todas as suas actuações públicas, mesmo que além das horas normais de expedeinte, a CRM e as leis, conforme preconizado pela norma do número 1 do artigo 5 do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, aprovado pela Lei número 10/2017, de 1 de Agosto;
8. Ao Presidente da República, no sentido de, conforme o juramento (inserto no número 2 do artigo 149 da CRM) por si prestado no acto da sua investidura, a 15 de Janeiro de 2020, na Praça da Independência, na cidade de Maputo, garantir que a liberdade de imprensa enquanto direito fundamental e pilar da democracia não seja objecto de cerceamento ilegal.
Aos jornalistas e órgãos de informação, para que exerçam ou continuem, conforme o caso, a exercer o seu trabalho com isenção, responsabilidade, independência, objectividade e equilíbrio, contribuindo, assim, para a consolidação do Estado de Direito Democrático em Moçambique.
Maputo, aos 14 de Fevereiro de 2020