Published May 19, 2025
Categories: Intervenções

A gestão inadequada de resíduos sólidos urbanos continua a ser um dos principais desafios ambientais e de saúde pública em Moçambique. Sem um sistema estruturado de reciclagem e com recolha irregular em várias zonas, grande parte do lixo produzido nas cidades é descartado de forma desordenada, acumulando-se em valas, lixeiras a céu aberto e margens de rios. Neste cenário, a reciclagem permanece uma prática marginal, sustentada sobretudo pelo trabalho informal de catadores.

“Vivemos disso, mas ninguém nos vê”
O relato de Maria Ussene, catadora informal na cidade de Maputo

Maria Ussene, de 54 anos, é catadora há mais de uma década. Todos os dias, percorre as ruas dos bairros Maxaquene e Alto-Maé com um grande saco às costas, em busca de garrafas de plástico e vidro que possa vender. “Saio de casa às cinco da manhã. Ando até onde as pernas aguentam. Às vezes encontro alguma coisa, outras vezes volto com o saco quase vazio”.

Maria Ussene explica que vende os materiais recolhidos a intermediários que depois os encaminham para pequenas fábricas de reciclagem ou revenda. “Por cada quilo de garrafa de plástico, me dão 5 meticais. Já o vidro é mais pesado e paga um pouco melhor, mas é difícil de carregar”, relata. Em semanas boas, consegue juntar entre 300 e 500 meticais. “Não é muito, mas ajuda. Com esse dinheiro compro arroz, sabão, e às vezes pago a escola do meu neto.”                                                                                                                                                        A catadora, sente na pele a marginalização do seu trabalho. “Vivemos disso, mas ninguém nos vê. Quando estamos a recolher o lixo, dizem que estamos a sujar, que somos vagabundos. Mas se não fossemos nós, muito desse lixo ainda estaria espalhado pelas ruas.” Apesar das dificuldades, Maria tem orgulho do que faz. “Pode não parecer bonito, mas é um trabalho. Eu ajudo a limpar a cidade, mesmo que ninguém reconheça isso.”

Gestão de resíduos em Maputo enfrenta limitações estruturais e financeiras

Segundo João Munguambe, vereador de Infraestruturas e Salubridade do Município de Maputo, a cidade ainda não possui um sistema estruturado de reciclagem. “O município não tem uma estrutura formal de reciclagem, porém vem promovendo acções voltadas ao reaproveitamento de resíduos, e já existem várias iniciativas privadas que desenvolvem a actividade de compra e venda de recicláveis”. O vereador acrescentou ainda que no âmbito do Projecto de Transporte Urbano de Maputo (PTUM), está prevista a construção ou reabilitação de quatro centros de compra de recicláveis nos principais mercados da cidade, Xipamanine, Zimpeto, Xiquelene e UFA.

Entre os principais desafios enfrentados, o vereador destaca as limitações financeiras. “O principal desafio do momento é a receita, que não satisfaz a cobertura do sistema de gestão de resíduos sólidos urbanos (GRSU), o que provoca falhas e compromete a qualidade do serviço prestado”, lamentou.

A reciclagem na capital moçambicana continua fortemente dependente do trabalho informal dos catadores de lixo. Embora existam planos para integrá-los ao sistema formal, essas iniciativas ainda estão em fase embrionária. “Há ideias para tal, porém ainda não implementadas. Um exemplo disso é o recenseamento dos catadores da Lixeira de Hulene, actualmente em curso através do PTUM, visando sua inserção social.” Afirmou Munguambe

De acordo com vereador, no que diz respeito à promoção da reciclagem e à redução do lixo descartado a céu aberto, o Conselho Municipal, com apoio de parceiros, tem apostado na instalação de ecopontos nos distritos municipais. “Estas acções visam, numa primeira fase, incutir nos munícipes os bons hábitos ambientais, embora ainda não exista um sistema funcional de reciclagem. O foco inicial está na compostagem e, posteriormente, no avanço para a segregação não domiciliar”, explicou.  Munguambe, alertou que um dos maiores entraves continua sendo a ausência de uma indústria de reciclagem no país, o que obriga a dependência da exportação dos resíduos.

Reciclar é urgente, mas falta vontade política
Por sua vez, a ambientalista Regina Charrumar, aponta a gestão de resíduos sólidos (GRS) no país como caótica, principalmente na grande cidade, onde as quantidades de resíduos sólidos produzidas diariamente são enormes. “o sistema de gestão destas cidades não tem capacidade de resposta e nem está preparado para tratar e encaminhar corretamente este lixo, e um dos impactos directos e visíveis são os aglomerados de lixo que vemos nas vias e nos espaços públicos, que causam a poluição do ambiente e consequentemente uma série de doenças”.

Para a ambientalista, a ausência dos sistemas organizados de reciclagem, associada a fraca educação ambiental contribuem para que haja mais lixo nos espaços públicos e isso reflete-se nas quantidades enormes de lixo que ao invés de ser encaminhado as lixeiras, é jogado em   valas de drenagem e nos canais de escoamento de água.  “A questão não é unicamente técnica, é necessário que as leis se cumpram e a questão ambiental saia dos planos e projectos e desça a realidade. Há falta de vontade política, e é necessário reverter esta situação. Precisamos olhar para a situação actual de GRS com alguma responsabilidade e incentivar cada vez mais as iniciativas que contribuam para a melhoria da relação homem e ambiente”.

Charrumar, destaca que O lixo descartado em lugares impróprios é por si só um grande problema. “Se olharmos para as grandes cidades percebemos que visualmente, este lixo descartado em lugares impróprios causa desconforto para as pessoas. Este mesmo lixo descartado nos rios causa a poluição, mata as espécies lá existentes e a biodiversidade a sua volta. Com esta perda da biodiversidade e das espécies, perdesse a fonte de alimentos e renda da população, sem esquecer que o próprio ser humano corre o risco de vida nesta condição.”

A ambientalista reconhece a actuação dos catadores de lixo, afirmando que são eles quem, na prática, mantêm viva a reciclagem no país. “Os catadores e as microempresas que trabalham na recolha e reciclagem são essenciais para a melhoria da GRS, são estes que fazem com que parte do lixo tenha um melhor encaminhar e destino, sem eles boa percentual do lixo estaria nas vias públicas. Pelo papel importante que desempenham, estes intervenientes importantes na GRS deveriam ter mais facilidade e incentivos para que melhorem as suas condições de trabalho e possam cada vez mais contribuir para a melhoria da GRS das cidades.”