Published July 8, 2025
Categories: Intervenções

Em Moçambique, o sistema prisional enfrenta sérios desafios, como a superlotação, longas detenções preventivas e condições precárias nas cadeias. Muitos reclusos deixam o sistema prisional sem qualquer preparação para a vida em liberdade. A ausência de políticas públicas eficazes, o fraco acompanhamento pós-penal e o preconceito social tornam a reintegração social dos ex-reclusos uma missão quase impossível. Além disso, a pobreza, o desemprego e a estigmatização aumentam o risco de reincidência e marginalização.

Superlotação, abandono e ciclos de exclusão

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o sistema prisional moçambicano alberga cerca de 20 mil reclusos, embora tenha capacidade para menos de metade. Estima-se que pelo menos 30% estejam em prisão preventiva e aguardam julgamento por longos períodos.

O Sociólogo Alberto Machaieie, da Universidade Eduardo Mondlane, destaca que o sistema penal moçambicano é punitivo e explica: “O foco está em isolar, não em reabilitar. E o resultado é que muitos saem da prisão ainda mais vulneráveis do que quando entraram”

O peso do estigma

João Nhaca passou seis anos no Estabelecimento Penitenciário Provincial de Maputo por furto qualificado. Saiu em liberdade condicional no final de 2023, carregando nas costas não só o peso do passado, mas também o rótulo social de “ex-recluso”. Desde então, ele busca um emprego, uma segunda chance, uma vida nova. Mas, até hoje, só encontrou portas fechadas. “Quando saí, achei que tinha pago o que devia à justiça. Mas aqui fora, a pena continua. A diferença é que agora ela chama-se rejeição”, conta.

João Nhaca é apenas um entre milhares de moçambicanos que, após cumprirem penas de prisão, enfrentam uma batalha ainda mais dura: a reinserção social. Numa sociedade marcada por desigualdades profundas e um sistema prisional com sérias fragilidades, o regresso à liberdade raramente vem acompanhado de apoio ou oportunidades.

Mesmo com vontade de mudar, os ex-reclusos enfrentam o preconceito em quase todos os espaços sociais: na família, na sociedade e até no mercado de trabalho.

 “Fui rejeitado por três empregos assim que mencionei que estive preso. Um dos empregadores chegou a dizer que não queria criminosos por perto.” Relata Sérgio Nhatumbo, ex-recluso de 28 anos, que agora sobrevive como vendedor informal no mercado de Xipamanine.

A Perspectiva da REFORMAR: O Direito à Segunda Chance

Para Tina Lorizzo, directora da REFORMAR – Research for Mozambique (organização que trabalha com a justiça criminal e a intercessão entre a justiça criminal e os direitos humanos), a reinserção social do ex-recluso deve ser tratada como uma questão de direitos humanos e justiça social, e não apenas como um problema de segurança pública. E ressalta que a reincidência criminal é frequentemente fruto da exclusão institucionalizada.

“Muitos dos que voltam ao crime o fazem porque simplesmente não tiveram outra alternativa. Foram rejeitados no mercado de trabalho, sofrem por conta dos estigmas da sociedade e por vezes rejeição pelas suas próprias famílias.”

A directora da REFORMAR sublinha a necessidade de começar a reinserção ainda dentro da prisão, com programas de educação, qualificação profissional e saúde mental e que esses programas tenham continuidade após a libertação.

 “A reinserção não começa no dia da libertação. Começa no primeiro dia de cumprimento da pena. Não podemos esperar que alguém saia de um ambiente de violência, superlotação e ociosidade, e consiga se adaptar lá fora, sem nenhum suporte”

Iniciativas de esperança: a sociedade civil preenche o vazio do Estado

Apesar das falhas do sistema, algumas organizações e lideranças comunitárias têm desenvolvido esforços para apoiar a reinserção social de ex-reclusos.

A Associação Moçambicana para a Reinserção Cidadã (AMRC), criou o programa “Novo Caminho”, que oferece apoio psicológico, formação em carpintaria e intermediação com empregadores locais.

“Já conseguimos empregar mais de 120 ex-reclusos desde 2022. Sabemos que não é fácil, mas quando as empresas percebem o potencial dessas pessoas, tudo muda”, afirma Carlos Mutemba, coordenador do projecto.

A relutância dos empregadores é uma das maiores barreiras enfrentadas por quem tenta reconstruir a vida.

Por outro lado, Manuel Djedje, dono de uma pequena oficina mecânica na Matola, aposta no contrário.  “Eu mesmo fui preso quando era jovem. Alguém acreditou em mim, e hoje sou dono de negócio. Tenho dois rapazes aqui que passaram pela prisão. Trabalham e são dedicados.”

Soluções possíveis

Especialistas e organizações da sociedade civil apontam diversas soluções urgentes para melhorar a reintegração social de ex-reclusos. Entre elas, destacam-se o fortalecimento dos programas de formação e reintegração nas prisões, com continuidade após a libertação, e a criação de políticas públicas específicas de apoio ao ex-recluso, que incluam habitação transitória, acompanhamento psicológico e incentivos à inserção no mercado de trabalho. Além disso, sugerem campanhas de sensibilização para combater o estigma social, parcerias com o sector privado para promover oportunidades de emprego e o fortalecimento do apoio comunitário e do envolvimento familiar desde o início do período de encarceramento.

Para quem sai da prisão em Moçambique, a liberdade é relativa. Muitos continuam aprisionados por grades invisíveis: o preconceito, a pobreza e o abandono institucional. A falta de oportunidades perpetua um ciclo de exclusão que, muitas vezes, termina em reincidência.