Published October 6, 2025
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Moçambique continua a enfrentar desafios significativos no combate ao analfabetismo, sobretudo entre raparigas e mulheres. A exclusão educacional limita oportunidades de vida e acentua desigualdades de género, com impactos directos no acesso ao emprego e na autonomia económica. A ligação entre alfabetização e desenvolvimento revela uma urgência nacional que exige políticas mais inclusivas e sustentadas.

“Aprendi a escrever o meu nome com 28 anos. Antes disso, precisava pedir ajuda até para assinar um papel. Hoje, consigo até fazer as contas para o meu pequeno negócio.”  relata Celina Matavele, moradora do bairro de Micanhine no distrito de Marracuene, que concluiu o curso de alfabetização em 2023. É um testemunho entre milhares que mostram o impacto da alfabetização, especialmente entre mulheres adultas.

No ambito do Dia Internacional da Alfabetização, Moçambique volta a olhar para um problema crónico: o analfabetismo ainda afecta cerca de 39% da população, com as mulheres a liderar as estatísticas de exclusão.

Mulheres e raparigas: o rosto do analfabetismo

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), quase metade das mulheres moçambicanas (49,4%) não sabem ler nem escrever. A disparidade é mais gritante nas zonas rurais, onde o acesso à escola continua limitado.

Dados fornecidos pelo Director Nacional do ensino secundário, Silvestre Dava apontam que as províncias com os índices mais elevados de analfabetismo feminino em Moçambique são: Cabo Delgado (65%), Niassa (60,9%), Nampula (60,3%) e Tete (56,3%). Dava diz que “estes dados reflectem os desafios persistentes no acesso à educação para raparigas, especialmente em regiões rurais e vulneráveis, onde factores como a pobreza, casamentos prematuros e a falta de infraestruturas escolares continuam a limitar as oportunidades de aprendizagem.”

Para a professora Margarida Valentin, que há mais de dez anos alfabetiza adultos na província de Maputo, a falta de infraestrutura e de motivação são grandes entraves. “Temos centros sem carteiras, nem livros. E as mulheres, muitas vezes, chegam exaustas, depois de trabalhar na machamba. Algumas acabam por desistir, porque não vêem retorno imediato”, acrescenta ainda que os professores também precisam de mais apoio para lidar com contextos difíceis.

“Damos aulas em condições precárias. Mas o mais difícil é ver alunos que querem aprender e não conseguem, porque a fome ou a distância da escola vencem”, lamenta.

As barreiras não são apenas materiais. Normas culturais, gravidez precoce e casamentos forçados também afastam muitas raparigas da escola. Um estudo da Human Rights Watch (2024) aponta que o abandono escolar por gravidez é uma das principais causas de analfabetismo feminino no país.

 “A educação da rapariga ainda não é prioridade em muitas famílias”, reconhece Rosália Massango, activista da ActionAid Moçambique. “Precisamos de políticas específicas para manter as meninas na escola, mesmo quando engravidam. Caso contrário, continuaremos a alimentar o ciclo do analfabetismo.”

Do analfabetismo à exclusão económica

Num país com uma economia informal dominante, o analfabetismo tem impacto directo no emprego e na produtividade. .

De acordo com António Machava, técnico do Instituto Nacional de Emprego (INEP), o  analfabetismo ainda é um dos principais obstáculos à inclusão no mercado de trabalho. “Temos casos de pessoas que perdem oportunidades simplesmente por não conseguirem preencher um formulário ou seguir instruções básicas. Mesmo em actividades informais, a falta de literacia limita a capacidade de gerir um pequeno negócio ou aceder a microcréditos.”

Machava defende que a alfabetização deve ser vista como base da empregabilidade.

“É uma questão de cidadania e de inclusão económica. Quem não é alfabetizado, dificilmente consegue sair do ciclo da pobreza”, afirma.

 Políticas públicas: avanço ou retórica

Em resposta ao desafio, o governo tem apostado na expansão do ensino de jovens e adultos. Só no primeiro trimestre de 2024, foram recrutados cerca de 8.500 alfabetizadores, cobrindo mais de 210 mil beneficiários, segundo dados apresentados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).

No entanto, organizações da sociedade civil alertam para a falta de continuidade e de investimento sustentável nos programas.

“Muitos centros funcionam por períodos curtos e depois fecham por falta de apoio. Precisamos de garantir que os programas sejam consistentes e adaptados às realidades locais”, observa Rosália Massango.

Quando alfabetizar é libertar

Silvestre Dava, acredita que a alfabetização vai além do ensino de letras e números, o indivíduo é capacitado para poder participar de decisões sociais, econômicas e até políticas. “É um processo de libertação. Quando alguém aprende a ler, ganha voz, ganha poder. Isso transforma não só a vida dessa pessoa, mas da comunidade inteira”, destaca.

“Se quisermos realmente combater o analfabetismo, temos de mudar o foco. A alfabetização não pode ser só uma meta estatística tem de ser um direito vivido”, defende a socióloga Helena Chichava, da Universidade Pedagógica.