Published September 24, 2025
Categories: Intervenções

Aos cinco anos, Felismina Banze perdeu a fala e a audição de forma repentina, o que tornou a sua comunicação com a família, amigos e a comunidade em geral, um desafio diário, deixando-a incompreendida. Foi apenas ao conhecer a língua de sinais que encontrou uma ponte para o mundo, reconstruindo sua identidade e confiança. Hoje, como Directora Executiva da TV Surdo, Felismina Banze, partilha a sua história durante a Semana Internacional da Língua de Sinais, celebrada em Setembro, para mostrar que a luta por inclusão, acesso à informação e igualdade de direitos é a realidade de milhares de pessoas surdas em Moçambique.

Qual é a importância da língua de sinais na vida das pessoas surdas e na construção da identidade?

Bem, como se sabe, é a Semana Internacional de Língua de Sinais, nos é importante falar sobre isso. Nós usamos a língua de sinais para a comunicação. Assim como os outros usam a oralidade para a comunicação, os ouvintes neste caso, nós, as pessoas surdas, usamos a língua de sinais. Ela é essencial porque permite a comunicação entre nós e dá sentido à nossa identidade. No meu caso pessoal, perdi a audição aos cinco anos, de forma natural, e desde então enfrentei grandes desafios de comunicação, primeiro dentro da minha família e depois na escola e nos serviços públicos. A língua de sinais foi a ponte que me permitiu continuar a interagir e a me afirmar como parte de uma comunidade.

Quais são os maiores desafios que as pessoas surdas enfrentam para aprender e usar a língua de sinais na escola e na comunidade?

As barreiras mais frequentes ocorrem em hospitais, serviços bancários e vários serviços públicos e sociais. Há muita dificuldade na comunicação. Na escola, também usa-se a língua portuguesa e não temos professores preparados para ensinar usando a língua de sinais. A educação em Moçambique, para pessoas com deficiência auditiva, não tem sido muito eficaz, porque os professores não entendem a língua de sinais. Nós, pessoas com deficiência auditiva, devíamos ter aulas em língua de sinais também, mas isso tem sido complicado e difícil. Quando vamos ao hospital, é a mesma situação, com dificuldades para conversar com o médico. Por isso, é essencial divulgar a língua de sinais e formar mais profissionais para facilitar a comunicação e reduzir essas barreiras.

Como a TV Surdo tem contribuído para a promoção e valorização da Língua de Sinais no país?

Nós, na TV Surdo, trabalhamos na área de inclusão das pessoas surdas e tantas outras deficiências. Tanto que nos nossos programas, nos nossos vídeos, sempre tem lá a janela de interpretação simultânea, que é para permitir que as pessoas com deficiência tenham mais acesso à informação. Então, isso permite que eles estejam informados do que está a acontecer no país e no mundo afora.   O outro exemplo que quero trazer sobre acesso à informação é que as outras televisões não têm interpretação, o que deixa de fora as pessoas com deficiência auditiva. Apenas um Canal nacional tem interpretação, somente no jornal da tarde, o resto dos programas não tem interpretação e assim fica difícil para nós.

 Que estratégias a TV Surdo utiliza para aumentar o alcance e a utilização da língua de sinais nas diferentes plataformas de media?

Bom, tivemos um encontro com Gabinete de Informação num workshop onde, conversamos com eles de forma informal, e solicitamos que eles, na qualidade do GABINFO, colocassem uma norma que obrigasse as televisões a colocarem interpretação simultânea. Mas como a conversa é informal, não se oficializou, mas já deixamos ficar com eles a nossa preocupação, já conversamos com diversos canais televisivos e pedimos que colocassem interpretação nos seus programas, mas eles disseram que não tinham recursos. Então, aconselhamos a publicarem vagas a contratarem intérpretes. Nós, as pessoas surdas, precisamos de divulgação de informação, sim, mas também de advocacia para promover os nossos direitos e para que as pessoas saibam quais são os nossos direitos enquanto pessoas surdas.

Quais são os projectos ou planos futuros da TV Surdo para fortalecer a difusão de língua de sinais e a participação da comunidade surda na comunicação social?

Bem, nós primeiro pensamos em explicar aos diferentes pontos focais, a necessidade da difusão da informação para as pessoas com deficiência. Também explicar as estratégias, o que eles podem usar para facilitar esse processo e promover a mudança, a transformação. Mas não é fácil. Existe muito trabalho e é preciso tempo até que se alcancem resultados.
A TV Surdo vai continuar a advogar por isso, principalmente pela mudança de comportamento, e também vamos continuar a fazer a chamada de atenção, solicitando que sejam inclusas as interpretações simultâneas nos programas de televisão para dar apoio a nós, como surdos. Mas não só em programas de televisão; em vários serviços públicos como educação, saúde, acesso ao emprego e outros serviços públicos básicos e úteis. Temos a necessidade de melhorar e advogar mais para que haja melhorias.

Por ocasião do Dia Mundial da Língua de Sinais, qual é a mensagem que deixa para a comunidade surda?

A mensagem que deixo para as pessoas surdas e para a comunidade em geral é que aceitem a pessoa com deficiência auditiva. Ela é normal como qualquer outra, faz tudo o que todo mundo faz, pensa como qualquer um e tem capacidades como qualquer outra.  Parem de olhar para nós como incapazes pois não somos. Se quiserem tirar a prova disso, podem vir falar conosco, conversar, não há problema nenhum. Também peço às instituições governamentais que coloquem serviços de interpretação. Muitas vezes, o presidente está a discursar e não tem um intérprete, não temos como perceber, as vezes anunciam sobre ocorrência de chuvas e ciclones na televisão e nós não temos como perceber. As instituições do governo, assim como as escolas, devem contratar intérpretes. As crianças com deficiência não estão a aprender adequadamente, estão a crescer com muitas dificuldades de aprendizagem. Não tem sido fácil, e espero que este assunto possa mudar.