Apesar dos avanços em políticas públicas, as pessoas com albinismo continuam a enfrentar exclusão social, dificuldades no acesso à saúde, discriminação laboral e riscos de segurança. Por ocasião do Dia Internacional de Sensibilização sobre o Albinismo, o HUB de Direitos Humanos ouviu testemunhos de pessoas com albinismo e representantes de organizações que trabalham na defesa dos seus direitos em Moçambique. Em Moçambique, o albinismo permanece associado a desafios profundos. Para além da condição genética que afecta a produção de melanina, estas pessoas enfrentam preconceitos, crenças supersticiosas, exclusão social e dificuldades em quase todos os domínios da vida.
“Espero que o governo olhe por nós”: o relato de uma mulher com albinismo
Gisela Waene, residente em Maputo, conta que desde cedo sofreu discriminação, inclusive dentro da própria família. A sogra rejeitou o seu relacionamento e tentou impedir o matrimónio, com o argumento de que não queria netos com albinismo. “Eu estava com o casamento marcado e, ela nunca aceitou a minha relação e na semana do evento, ela estragou tudo. Ela sempre deixou claro que não queria albinos na família dela”, conta.
Mas não foi apenas a rejeição familiar que marcou o seu percurso. Gisela Waene sobreviveu a tentativas de rapto. Em 2020, quando regressava do trabalho, escapou de um sequestro. “Um dos indivíduos chegou a dizer que eu poderia deixá-los ricos.” Em 2023, viveu nova situação de risco, ao ser abordada por um homem que tentou forçá-la a entrar num carro. Graças à intervenção de populares, conseguiu escapar.
O sistema de saúde representa outro obstáculo. Waene denuncia a falta de prioridade no atendimento e a insensibilidade dos profissionais quanto à sua vulnerabilidade ao sol. “Chego às 7h e só sou atendida às 10h, depois de horas exposta ao sol.” Além disso, sofreu episódios de violência doméstica e viu as suas queixas serem desvalorizadas pela polícia. “Meu ex parceiro me batia sempre que tinha vontade, a família dele não fazia nada, Todos os dias eu tinha que esconder as manchas pretas que ele deixava em mim. Cheguei à ir a uma esquadra para meter queixa, fui humilhada pela mulher que me atendeu. Disse-me que eu é que estava mal da cabeça, o problema está comigo, por isso me batem.”
No mercado de trabalho, a discriminação é igualmente forte. “Já Submeti o meu currículo numa empresa, fui chamada para entrevista, mas, ao perceberem que sou albina, negaram-me a vaga, alegando que não tinham condições para me contratar.”
O Plano de Acção para protecção da pessoa com albinismo deve sair do papel para realidade
Wiliamo Savanguane, presidente da Associação de Apoio a Albinos de Moçambique (Albimoz), confirma que o acesso a cuidados de saúde adequados continua limitado. Sublinha que o grande desafio passa pela falta de protectores solares e óculos graduados acessíveis. “Estes produtos deviam beneficiar de isenções alfandegárias e fiscais, para que todos pudessem ter acesso, o protetor solar para uma pessoa com albinismo não é apenas um produto de beleza, é uma necessidade.”
Na área da educação, o presidente da Albimoz, aponta para dificuldades de leitura nas salas de aula e para a necessidade de adaptações nos materiais didácticos. “Muitas vezes, as crianças com albinismo sentam-se nas últimas filas devido à ordem alfabética, os livros e testes são impressos com letras demasiado pequenas, os professores também escrevem no quadro com letras de tamanho reduzido, agravando os seus problemas visuais.”
Sobre os raptos e assassinatos a Albimoz, reconhece avanços graças ao trabalho de sensibilização realizado por organizações da sociedade civil e pelo governo, mas lembra que ainda há casos sobretudo nas regiões centro e norte do país. Critica a actuação da justiça, sublinhando que: “Só os intermediários foram julgados. É preciso um trabalho mais eficaz por parte das autoridades para se chegar aos verdadeiros autores intelectuais.”
Apesar de reconhecer que alguns hospitais oferecem consultas gratuitas de dermatologia e oftalmologia, considera que estas não são suficientes. “Os hospitais oferecem consultas, mas não disponibilizam óculos nem protectores solares, que deveriam ser garantidos de forma gratuita ou a preços acessíveis. Estes produtos não são um luxo, são uma necessidade vital para quem vive com albinismo.”
A Desinformação alimenta o preconceito
Milton Mujovo, presidente da Associação Amor à Vida (ASSAVIDA), coloca a falta de informação correcta como raiz de muitos problemas enfrentados pelas pessoas com albinismo. “A discriminação e os mitos são os grandes desafios que as pessoas enfrentam no seu dia a dia. Acreditamos que pessoas bem informadas sobre as reais causas do albinismo vão ajudar a desmistificar os e superstições.
Segundo a fonte, essa desinformação gera exclusão em vários níveis: “perseguição, dificuldade de acesso a serviços públicos e privados e marginalização social.”
No que diz respeito ao emprego, Milton Mujovo refere que a discriminação e os preconceitos continuam a limitar o acesso e a progressão profissional das pessoas com albinismo. “Mesmo quando conseguem emprego, enfrentam dificuldades para crescer profissionalmente, pois muitos empregadores e colegas duvidam das suas capacidades devido à visão limitada destas pessoas. Isso cria um ambiente hostil, fazendo com que muitos acabem por desistir ou ser excluídos.” Acrescenta que é essencial dar oportunidades reais de desenvolvimento profissional: “Não podemos assumir que alguém não é capaz apenas por ter dificuldades visuais. É necessário criar condições para que estas pessoas possam demonstrar plenamente o seu potencial, com respeito e igualdade.”
Para Mujovo, é essencial dar oportunidade às pessoas com albinismo para mostrarem o seu potencial: “É necessário criar condições para que possam desenvolver-se com respeito e igualdade.”