A violência contra a mulher, em Moçambique, é um problema complexo, pelo que seu combate exige acções conjuntas e coordenadas de todos os sectores da sociedade. Esta foi uma das principais conclusões do diálogo multissectorial que teve lugar na semana passada, em Maputo.
Organizado pelo Observatório das Mulheres, o diálogo multissectorial juntou diversas entidades do Estado e da sociedade civil para uma reflexão sobre pontos de acção em resposta ao feminicídio, desaparecimentos e Violência Baseada no Género (VBG), que são algumas das manifestações mais cruéis da violência contra a mulher, constituindo obstáculos para a construção de um mundo onde a igualdade de direitos seja uma realidade. Concebida pelas Nações Unidas como um problema global, cujo combate se tornou numa prioridade dos Objectivos de Desenvolvimento do Milênio, a violência contra a mulher e rapariga é um problema com barba branca, em Moçambique. Vários são os casos de mulheres que são vítimas de diversas formas de violência, no país, muitas vezes perpetradas por homens conhecidos e parentes próximos.
Nem com a aprovação da Lei N°29/2009 – Lei Sobre a Violência Doméstica praticada contra a Mulher, um marco importante na luta contra a violência de gênero, a situação mudou, em Moçambique. Pelo contrário, cerca de 15 anos após sua implementação e a criação de vários Planos Nacionais de Acção para a Prevenção e Combate da Violência Contra a Mulher, o problema persiste e até se diversifica, com novas formas de violação contra as mulheres emergindo. São agressões que violam o princípio de igualdade de gênero consagrado no artigo 36 da Constituição da República, que estabelece que homens e mulheres são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural.
Dados do Gabinete de Atendimento à Famílias e Menores no Comando Geral da PRM indicam que, de Janeiro a Dezembro de 2023, por exemplo, foram registados 8.067 casos de violência doméstica contra mulheres, comparados a 1.766 casos contra homens. No mesmo período, foram registados 2.469 casos de violência sexual envolvendo mulheres contra apenas 27 casos envolvendo homens.
À busca de soluções
É com vista a inverter este quadro que o Observatório das Mulheres, um mecanismo que reúne organizações da sociedade civil que defendem os direitos humanos das mulheres, tem organizado sessões de debate sobre a situação das mulheres e raparigas em várias dimensões, incluindo segurança, saúde, economia, liderança, educação, tecnologia e desporto. Estas sessões também buscam pôr fim à onda de feminicídios, desaparecimentos, violência física e sexual baseadas no gênero.
A mais recente sessão teve lugar no dia 5 de Julho corrente, quando o Observatório convocou diversas entidades do Estado e da sociedade civil para reflectirem juntos sobre pontos de acção em resposta ao feminicídio, desaparecimentos e VBG. Durante o encontro, foi discutida a necessidade de um trabalho multissetorial para eliminar estas violações dos direitos humanos. Além do problema das violações, em si, as discussões revelaram desafios como a falta de psicólogos capacitados para lidar com as vítimas e a necessidade de apoio especializado para evitar traumas, principalmente em crianças.
O sistema de justiça também foi apontado como um factor crucial para a resposta eficaz a esses casos. Com efeito, foi assinalada a necessidade urgente de se repensar o papel das instituições e da sociedade em geral, pois as vítimas muitas vezes são revitimizadas nas esquadras de polícia e nas próprias comunidades. Os desafios estruturais levantados durante a reunião incluem a ineficiência dos mecanismos estatais para a responsabilização e encaminhamento dos casos, falta de divulgação da Lei sobre Violência Doméstica, falta de literacia da sociedade sobre feminicídio e VBG, e os procedimentos de seguimento tanto para as vítimas quanto para os agentes de polícia.
Destacou-se, ainda, a necessidade urgente de garantir financiamento para programas de sensibilização, incluindo campanhas sobre violência baseada no gênero e disseminação das leis de protecção às vítimas. Ainda no evento, foi ressaltada a necessidade de um pacto social e institucional para acabar com o feminicídio, os desaparecimentos e a VBG, agindo com sensibilidade de gênero, garantindo assistência jurídica adequada e promovendo a sensibilização sobre a legislação pertinente sobre a matéria.
De todas as discussões, ficou assente que a violência contra as mulheres, em Moçambique, é um problema complexo e urgente que exige acções conjuntas e coordenadas de todos os sectores da sociedade. A sensibilização, a capacitação de profissionais, a reforma do sistema de justiça e o engajamento multissetorial são fundamentais para enfrentar e mitigar esta grave violação dos direitos humanos. Somente com esforços integrados e contínuos será possível criar um ambiente seguro e igualitário para todas as mulheres e raparigas em Moçambique.