Published April 23, 2025
Categories: Intervenções

Em Moçambique, o livro continua a ser um bem cultural de acesso desigual. Ao mesmo tempo em que o país se esforça para promover a leitura, os escritores ainda enfrentam grandes obstáculos, tanto na publicação quanto na proteção de suas obras. O cenário é agravado pela circulação não autorizada de livros, tanto físicos como digitais, que deixam os autores sem qualquer remuneração ou reconhecimento. Por ocasião do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, celebrado a 23 de abril, o HUB conversou com vozes ligadas ao sector literário moçambicano que revelam os desafios vividos por quem escreve e apontam caminhos para uma valorização real dos autores no país.

José Manuel Luís, Secretário-Geral da Sociedade Moçambicana de Autores (SOMAS), aponta falhas estruturais no sistema de proteção intelectual em Moçambique, que continuam a deixar os autores vulneráveis à violação dos seus direitos “Em Moçambique, na área da literatura, há ainda enormes desafios na protecção dos direitos do autor. Digo isso porque a SOMAS, que é uma entidade que já está há bastante tempo, ainda não tem mecanismos ideais de controle de obras literárias, persistem alguns desafios que vinham decorrendo da própria legislação, que foi alterada em 2022, e mesmo assim, ainda não temos mecanismos e plataformas que ajudem no controle da apropriação das obras moçambicanas”.

Segundo o SOMAS, o livro digital, embora amplamente difundido, continua praticamente sem protecção efectiva em Moçambique, o que amplia a vulnerabilidade dos autores no ambiente online. “A única protecção que se faz é no caso de o livro ser físico. Regista-se na SOMAS, e quando há um caso de conflito, a instituição faz uma mediação para resolver o conflito de forma amigável. Caso não se resolva, recorremos judicialmente, já no caso do livro digital é difícil fazer esse trabalho de controle para proteção dos direitos do autor”.

José Manuel, ressalta que os prejuízos são sentidos principalmente pelos autores. “Hoje em dia existem obras a serem partilhadas ou vendidas através das plataformas digitais e não há nenhuma legislação ainda para controlar isso, tivemos vários casos de autores moçambicanos que as suas obras estão a ser usadas mesmo fora do país, sem o devido acompanhamento, ou vendidas online, sem a autorização do autor. A perda é grande, sobretudo para os autores que fazem um esforço intelectual que não é devidamente remunerado e muito menos valorizado”.

Num cenário global em que a inteligência artificial (IA) ganha cada vez mais espaço na criação de conteúdos, levantam-se novas e complexas questões sobre propriedade intelectual, autoria e remuneração justa. Ferramentas capazes de gerar textos, imagens, músicas e até livros inteiros em poucos segundos têm transformado o panorama criativo, mas também despertado preocupações em relação aos direitos de quem vive da escrita e da produção intelectual. Em Moçambique, esse avanço tecnológico encontra um sistema jurídico ainda despreparado para responder aos desafios do novo tempo.

O Secretário-Geral destaca os impactos negativos da IA sobre os direitos autorais: “A legislação moçambicana não está preparada para responder aos desafios do avanço das tecnologias e da inteligência artificial. Para o nosso país este problema está longe de ser resolvido. O trabalho feito pela inteligência artificial tem trazido reduções drásticas na remuneração dos escritores”.

Para a SOMAS, obras produzidas por inteligência artificial não devem ser consideradas literárias. “Não tem como atribuir a autoria dessas obras geradas pela IA a ninguém. As obras de inteligência artificial não podem ser consideradas obras artísticas. Não são produzidas por intelecto. Para a SOMAS, essa obra não tem direitos autorais”.

Não se valoriza o que não se conhece”

Por sua vez, o escritor Miguel Ouana, reforça a ausência de valorização ao livro e dos diretos do autor moçambicano. “No nosso país, há uma enorme falta de valorização dos escritores, tanto pelas instituições como pelo público. Isso se deve ao facto de que quem deveria fazer a promoção do livro não o faz e, consequentemente, o nível de leitura é extremamente baixo. Portanto, não se pode valorizar o que não se conhece”.

Com experiência acumulada como editor e autor, Ouana relata ter sempre respeitado os direitos dos escritores durante sua actividade editorial e defende que o uso de partes dos livros em contextos didáticos, como em manuais escolares, é legítimo e até benéfico. “Conforme preconizado na Convenção de Berna sobre Direitos de Autor e Conexos, bem como nos contratos das editoras nacionais, para fins didáticos, podem ser usadas partes de livros. Considerando este facto, lido com normalidade com o uso de excertos dos meus livros, em manuais escolares. Ademais, sinto-me regozijado com isso, porque pode concorrer para despertar a procura dos livros em que isso ocorrer”.

No entanto, alerta: “Toda pirataria é nociva a qualquer actividade artística. Sendo o livro produto dessa actividade, quando pirateado prejudica sobremaneira o trabalho do escritor, assim como a vida deste, embora saibamos que é difícil viver-se do livro”.

Ouana, reconhece os avanços legislativos, mas defende que a organização dos próprios autores é essencial para garantir eficácia. “A nível institucional, temos a Lei número 9/2022 de 29 de Junho, criada para a protecção dos direitos autorais. para que a lei funcione os autores devem fazer valer os seus direitos. Para tal, devem estar organizados em associações, que se envolvam com afinco na defesa dos direitos dos seus membros”.

Miguel Ouana, deixa uma mensagem por ocasião desta data “Escrever é um exercício intelectual que exige muito esforço de quem escreve. Por via disso, é imperioso que esse trabalho seja respeitado, deixando de fazer fotocópias da totalidade das obras