Published March 21, 2025
Categories: Intervenções

Comemora-se, hoje, 21 de Março, o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. A data marca um momento de reflexão mundial sobre as diversas formas de racismo e discriminação étnico-racial ainda presentes nas sociedades contemporâneas. Em Moçambique, embora a legislação reconheça a igualdade de direitos para todos os cidadãos, episódios recentes e dados de organizações internacionais revelam que persistem formas estruturais e institucionais de discriminação racial.

O Relatório sobre a Situação da População Mundial 2024, do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), apresenta dados sobre as desigualdades provocadas pela discriminação racial e outras formas de opressão estrutural. Segundo o documento, mulheres e raparigas negras em países de baixa renda, como Moçambique, têm quase três vezes menos acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva de qualidade, quando comparadas às mulheres de outros grupos raciais. O relatório destaca, ainda, que a taxa de mortalidade materna entre mulheres negras moçambicanas em zonas rurais é significativamente superior à média nacional. Além disso, uma em cada três raparigas de comunidades marginalizadas, no país, enfrenta gravidez precoce antes dos 18 anos, fenómeno associado à pobreza, à exclusão social e à ausência de serviços básicos de saúde e educação.

Em regiões afectadas por conflitos armados, como Cabo Delgado, estas desigualdades tornam-se ainda mais acentuadas. O relatório do UNFPA aponta que mulheres e raparigas deslocadas internamente enfrentam um risco elevado de violência baseada no género e de exploração sexual, muitas vezes sem acesso a apoio psicológico ou jurídico. A combinação entre racismo estrutural, desigualdade de género e pobreza agrava a situação de vulnerabilidade destas populações, perpetuando ciclos de exclusão e violência.

Durante os ataques em Palma, na província de Cabo Delgado, em Março de 2021, a Amnistia Internacional documentou um caso emblemático de discriminação racial durante os resgates de civis. De acordo com testemunhos recolhidos pela organização, houve tratamento preferencial dado a pessoas brancas e expatriados no momento das evacuações, em detrimento dos trabalhadores e moradores locais, a maioria negros e moçambicanos. Os sobreviventes relataram que os trabalhadores brancos foram evacuados prioritariamente por helicópteros privados e barcos, enquanto muitos civis negros foram deixados para trás em condições de extremo perigo. Segundo a Amnistia, estes actos evidenciam um padrão de racismo estrutural e institucional, mesmo em contextos de conflito armado e crise humanitária. A denúncia gerou forte indignação dentro e fora do país, reavivando debates sobre privilégios raciais e a hierarquização de vidas humanas em situações de emergência.

Embora Moçambique tenha ratificado instrumentos internacionais de protecção dos direitos humanos, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a realidade demonstra que ainda há um longo caminho a percorrer para garantir a igualdade racial no país. O Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial em 2025 surge como um chamado para que o mundo, incluindo Moçambique, avancem no combate ao racismo e à discriminação racial. O reconhecimento das desigualdades existentes, a responsabilização institucional e o compromisso colectivo são apontados como passos fundamentais para transformar a sociedade moçambicana num espaço de justiça, respeito e inclusão.

Leia mais em:

https://mozambique.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/swp2024-english-240327-web_13.pdf

https://www.amnistia.pt/mocambique-discriminacao-racial-resgates-palma-testemunhos-sobreviventes