Published June 2, 2025
Categories: Intervenções

No pátio da escola, entre risadas e desafios, Elias Macandza, acendeu o primeiro cigarro aos 15 anos. Estava na 10ª classe e queria apenas “fazer parte do grupo”. O que parecia uma experiência passageira transformou-se num hábito destrutivo. Aos 20, fumava um maço de cigarro por dia. Sentia-se dependente, isolado e com a saúde em declínio. Hoje, com 27 e livre do cigarro há quase dois anos, ele partilha sua história ao Hub de Direitos Humanos, por ocasião do Dia Mundial sem Tabaco, celebrado a 31 de maio, para alertar os jovens e encorajar quem ainda luta contra a dependência.

Nesta conversa aberta, Macandza revela como o vício se instalou, os impactos na sua vida e o difícil processo de reabilitação.

“Fumar era moda entre os colegas. Eu só queria ser aceite”

Como começou o seu contacto com o cigarro?

Foi na escola secundária, quando eu estava na 10ª classe. Tinha 15 anos e muitos dos meus colegas mais velhos fumavam. Era moda, uma forma de mostrar que já éramos “adultos”. No início recusei, mas com o tempo, comecei a ceder à pressão. Queriam que eu mostrasse que era corajoso, que não era “matreco”. Um dia aceitei e fumei o primeiro cigarro atrás da escola. Mal sabia que aquilo iria marcar minha vida por anos.

Lembra-se da sua primeira experiência com o cigarro?

Lembro como se fosse hoje. O gosto era horrível, ardia na garganta, tossi muito. Mas ninguém queria parecer fraco, então fingi que estava tudo bem. A partir dali, passamos a fumar sempre que havia intervalo. Um cigarro hoje, dois amanhãs e, quando dei por mim, já não conseguia passar o dia sem fumar.

A transição do “experimento” para o vício

Quando percebeu que estava viciado?

Aos 18 anos eu já comprava cigarros sozinho. Aos 20, fumava um maço por dia. Era o primeiro pensamento ao acordar e o último antes de dormir. Não fumava só quando estava com os amigos, fumava escondido em casa, no caminho para a escola, depois das refeições, aquilo deixou de ser lazer e virou necessidade.

Como o vício afectou sua saúde ou relacionamentos?

Comecei a sentir falta de ar, dores no peito e tossia constantemente. Minha mãe começou a perceber, e discutíamos muito. Ela ficava triste, dizia que estava a perder o filho para um vício. Eu ficava irritado quando alguém tentava me ajudar. Afastei-me de pessoas que me amavam, e os amigos verdadeiros também se distanciaram.

O ponto de viragem: “Ou mudava, ou perdia tudo”

O que o motivou a tentar parar de fumar?

Foram duas coisas. Primeiro, vi o meu pai ser internado por causa de problemas nos pulmões. Ele não fumava, mas o médico alertou que, se eu continuasse daquele jeito, teria o mesmo destino ou pior. Segundo, comecei a sentir dificuldades para caminhar longas distâncias. Cansava rápido, respirava com esforço. Foi um alerta. Disse para mim mesmo: “Ou mudo agora, ou perco tudo”.

Como foi o processo de parar?

Muito difícil. O corpo pedia nicotina. Nos primeiros dias, eu suava frio, ficava ansioso, irritado com tudo. Procurei ajuda num centro de saúde, fiz consultas com psicólogo e, com apoio familiar, consegui resistir. Também cortei contacto com pessoas que ainda fumavam. Levei quase um ano para sentir que estava mesmo livre.

De que forma a pressão social influencia no vício entre os jovens?

Há uma cultura que banaliza o cigarro, principalmente entre adolescentes. Em bairros e escolas, não há informação suficiente sobre os riscos. E muitos jovens fumam escondido porque acham que é símbolo de status. Eu mesmo não via problema no início parecia algo inofensivo.

Qual é a sua visão sobre o apoio que o sector da saúde oferece para quem quer largar o vício?

Em Moçambique há poucos programas públicos focados em combate ao tabagismo. Faltam campanhas nas escolas, acompanhamento psicológico e centros de apoio gratuitos. Os jovens estão à mercê da indústria do tabaco, que continua a vender sem grande restrição. É preciso mudar isso.

Uma nova vida: “Hoje respiro liberdade”

Como se sente agora, depois de quase dois anos sem fumar?

Sinto-me limpo. Posso correr, dançar, fazer exercício, sem ficar ofegante. Minha pele melhorou, meus dentes estão mais brancos e meu hálito, mais leve. Sinto que ganhei de volta minha juventude. Ainda tenho medo de recaídas, mas lembro do que passei e isso me dá forças.

Qual a sua mensagem para os jovens neste Dia Mundial sem Tabaco?

Se você nunca fumou, não comece. Não vale a pena estragar a sua saúde por causa de amigos ou curiosidade. Se já fuma, procure ajuda. Pode parecer impossível largar, mas é possível sim. A vida é muito mais leve sem o peso de um vício.