Published May 28, 2025
Categories: Intervenções
Foto concedida pela: Be Girl

Em Moçambique raparigas enfrentam barreiras sociais, económicas e culturais relacionadas à menstruação. A escassez de produtos menstruais acessíveis, a falta de saneamento básico em escolas e comunidades, além dos tabus culturais, colocam em risco a saúde, a educação e a dignidade dessas jovens. Muitas abandonam temporariamente as aulas ou enfrentam constrangimentos por não conseguirem gerir o seu ciclo de forma segura e higiénica.

Em Maputo, a equipe da Hub dos Direitos Humanos, visitou algumas escolas e conversou estudantes do sexo feminino. Reinalda de 14 anos, estava menstruada e não tinha absorventes. Para garantir a sua higiene, precisou usar um pedaço de pano de uma saia antiga. “O material que uso é desconfortável e menos seguro. Tenho vergonha de entrar assim na aula. Já me aconteceu de sujar a roupa e riram de mim” – conta a aluna.

Além da escassez de absorventes, há falta de casas de banho adequadas. Em várias escolas, há apenas uma latrina para dezenas de alunas, sem portas, água ou papel higiénico e sabão.

No caso da Celma, aluna da escola secundária de Nkhobe destaca que o seu maior dilema está na estrutura das casas de banhos da escola, “Na minha escola, não tem um lugar próprio para higiene para meninas quando estiverem de período, não sai água, mas também não há um lugar seguro para deitarmos os pensos usados.” 

Como elas, milhares de raparigas em Moçambique enfrentam o mesmo desafio todos os meses. A falta de produtos menstruais, saneamento e informação impede muitas raparigas de frequentarem a escola de forma digna.

Dados revelam um cenário preocupante, cerca de 69% das escolas não têm água potável, mais de metade (53%) carece de saneamento básico, e 85% não possuem infraestruturas adequadas de higiene. Este défice compromete particularmente as raparigas em idade escolar, que necessitam de privacidade e higiene durante o período menstrual.

Elva Nogueira é professora e diz que as ausências das raparigas são notáveis. “Já notamos que há semanas em que muitas meninas faltam, especialmente da 9.º à 12º classe. Quando investigamos, muitas dizem que não têm como lidar com a menstruação na escola, principalmente nas aulas de Educação física.”

A dimensão do problema

De acordo com um estudo da ONG Be Girl Mozambique, 1 em cada 3 raparigas em idade escolar perde até cinco dias de aula por mês por causa da menstruação. Isso afecta diretamente o seu desempenho escolar e autoestima.

Hortência Franco, representante da Be Girl, explica . “Trabalhamos com comunidades rurais e urbanas e percebemos que o impacto vai além da escola. A menstruação é cercada de silêncio e vergonha. As meninas aprendem desde cedo que devem esconder, e isso afecta seu bem-estar emocional.”

Cultura e silêncio

Os tabus culturais agravam o problema. Em muitas comunidades, menstruar ainda é visto como algo “sujo” ou “impróprio”. Algumas raparigas relatam que, ao menstruarem pela primeira vez, foram impedidas de cozinhar ou sentar-se com os irmãos.

Mariana de 14 anos, da província de Maputo revela. “Na minha casa, minha avó uma vez disse que se um rapaz souber que estás a menstruar, ele nunca vai querer casar contigo. Então, não podemos falar disso com ninguém.”

A resposta institucional

Por sua vez, Elisa Nosta, Directora da Escola Secundária de Michafutene, reconhece os desafios. “Estamos cientes da situação e, em parceria com algumas organizações, estamos a implementar programas de saúde menstrual nessa escola, no entanto faltam recursos para não só orientar como apoiar às mais necessitadas.”

Já a especialista em saúde pública Lúcia Gimo aponta que é preciso mais do que doações pontuais.  “Precisamos de políticas públicas que garantam absorventes gratuitos, casas de banho seguras nas escolas e educação menstrual no currículo. Isso não é luxo, é saúde pública e direitos humanos.”

 Caminhos possíveis

Algumas iniciativas têm mostrado resultados promissores. A distribuição de kits reutilizáveis, como calcinhas absorventes e copos menstruais, tem sido uma alternativa sustentável e acessível.

A ONG Be Girl tem trabalhado com escolas para implementar programas de educação menstrual com apoio psicossocial. “Quando as meninas entendem o seu corpo e têm meios para se proteger, ganham confiança. Vemos melhorias no desempenho escolar e até menos casos de gravidez precoce” – afirma Hortência Franco.

A pobreza menstrual continua sendo uma barreira silenciosa que limita o potencial de milhares de raparigas moçambicanas. Enfrentar esse desafio exige mais do que boa vontade , requer políticas públicas consistentes, investimento e sobretudo escuta activa das próprias jovens, como Reinalda, que termina com um apelo: “Só queria poder ir à escola todos os dias, como os rapazes. Sem medo, sem vergonha.”