O MISA Moçambique tomou, com extrema preocupação, o conhecimento da forte possibilidade de aprovação, pela Assembleia da República, da Lei nº 5/2018, de 2 de Agosto, que estabelece o regime jurídico específico aplicável à prevenção, repressão e combate ao terrorismo e acções conexas aos actos e organizações terroristas, e formalizou, junto do parlamento, a sua posição face ao risco de limitação das liberdades de expressão e de imprensa.
Apesar de um instrumento oportuno e cuja aprovação ampliará a salvaguarda da soberania nacional, esta proposta emendada da lei contempla disposições que colidem com a Constituição da República e demais legislação, especialmente no capítulo das Liberdades de Expressão e de Imprensa.
O número 1 do artigo 19 do instrumento legal refere que “aquele que por qualquer meio, divulgar informação classificada no âmbito da presente Lei, é punido com a pena de prisão de 12 a 16 anos.” Esta disposição reveste-se, em si, de injustiça, ao penalizar o jornalismo assim como os cidadãos em geral, e não a quem tem o dever de salvaguardar o “Segredo de Estado”, no caso, o servidor ou funcionário público detentor de tal informação classificada.
O número 2 do mesmo artigo refere que aquele que intencionalmente difundir informação segundo a qual um acto terrorista foi ou é susceptível de ser cometido, sabendo que a informação é falsa é punido com a pena de prisão de 8 a 12 anos. Esta disposição apresenta-se bastante subjectiva e passível de diversas interpretações quanto à noção de “falsidade” da informação veiculada sobre uma presumível acção terrorista. De facto e objectivamente, a veracidade de informações de um presumível acto terrorista é verificável. Todavia, o mesmo não se pode dizer da “susceptibilidade” de ocorrência, porque tal resulta de inferências, de percepções em função do contexto, do ambiente e dos dados à disposição do enunciador da informação. É esta a característica do debate em qualquer matéria (analisar, inferir, alertar, etc.), podendo, as inferências, confirmar o facto ou não. Mantendo-se tal como se propõe, estar-se-ia a assumir a proibição expressa do debate em torno do terrorismo e de qualquer fenómeno a ele associado. Outrossim, o “conhecimento da intencionalidade” do enunciador da informação potencialmente falsa é igualmente problemático, ao abrir espaço para múltiplas leituras.
Portanto, estas normas, a serem aprovadas na forma ambígua em que estão formuladas criarão um amplo espaço para que o exercício do direito à informação, da liberdade de expressão e de imprensa, consagrado no artigo 48 da Constituição da República, seja limitado, dando azo a arbitrariedades de quem, revestido de poderes e competências de coerção, pretenda obstruir ou impedir o desenvolvimento das actividades dos Media, bem como dos activistas sociais, defensores dos direitos humanos e organizações da sociedade civil.
As normas em questão constituem um enorme retrocesso aos ganhos alcançados com a aprovação da Lei nº 34/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Direito à Informação) e do respectivo Regulamento aprovado através do Decreto nº 35/2015, de 31 de Dezembro, os quais são ousados do ponto de vista de ampliação do exercício do direito à informação e direitos conexos, para além de melhor colocarem as restrições ao exercício do direito à informação e da liberdade de imprensa em conformidade com a Constituição da República, estabelecendo de melhor forma o que se pode considerar informação classificada.
Em nenhum momento, a classificação da informação deve ser imputada ao cidadão e tão pouco do jornalista, não sendo, por isso, a ele imputada a responsabilidade pela sua publicação. O MISA entende que não restam dúvidas quanto a relevância deste instrumento legal, mas a revisão deve servir para conformar o dispositivo com a Constituição da República e demais legislação atinente aos media, tendo sempre presente a ampliação de direitos e liberdades e não o oposto.