Celebra-se hoje, 02 de Novembro, à escala global, o Dia Internacional para o Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, data proclamada em 2013, na 68ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Neste dia em que o Mundo reflecte sobre estas ameaças contra um dos pilares das democracias[1], o MISA-Moçambique insta às autoridades moçambicanas a tomarem medidas arrojadas para acabar com a impunidade dos crimes contra jornaistas, no país.
Em Moçambique, apesar de o exercício do jornalismo ser constitucionalmente reconhecido como um direito fundamental, continuam a ser assisitidos diversos atentados contra os profissionais do sector, ficando, a maioria dos casos, impunes. No ano passado, por exemplo, em todos os casos de violações das liberdades de expressão e de imprensa (agressões, destruição de equipamentos, etc) denunciados pelo MISA e Jornalistas, não houve qualquer acção das autoridades governamentais para a responsabilização dos infractores[2].
Entre as violações mais célebres dos últimos anos, consta o desaparecimento do jornalista da Rádio Comunitária de Palma, Ibraimo Mbaruco, no dia 7 de Abril de 2020, até aqui sem informações do Estado; o incêndio ao Canal de Moçambique, a 28 de Agosto de 2020, por fogo posto; o incêndio à Rádio Comunitária Monte Gilé, na Zambézia; e o rapto do jornalista e activista Ericino de Salema.
Este ano, 2023, o contexto das eleições municipais voltou a ser crítico nos ataques contra jornalistas. A agressão, por agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), do repórter Leonardo Limane, da Televisão Académica, na Beira, capital provincial de Sofala, na longa noite eleitoral de 11 de Outubro, dia da votação, foi um dos casos mais repugnantes nas autárquicas deste ano[3]. Como resultado da agressão, lembre-se, o repórter teve entorse e inflamação na zona do tornozelo do pé esquerdo, conforme o laudo médico. Mais de 20 dias depois da ocorrência, o caso, que o MISA-Moçambique está a seguir, ainda não conheceu qualquer avanço para a responsabilização dos protagonistas.
Por isso, neste Dia Internacional para o Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, o MISA-Moçambique insta as autoridades moçambicanas a tomarem medidas arrojadas para acabar com a impunidade dos crimes contra jornalistas, no país. Se, por um lado, as autoridades não devem cometer violações contra jornalistas, por outro, devem tomar medidas enérgicas para uma responsabilização exemplar dos predadores das liberdades de imprensa, enviando uma mensagem clara de intolerância contra esses actos.
Tal como refere a Relatora Especial para a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África, da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Ourveena Geereesha Topsy-Sonoo, no seu comunicado por ocasião da data, os governos têm o dever de proteger os jornalistas, não só através de legislação adequada e de uma aplicação eficaz, mas também protegendo-os de actos prejudiciais que possam ser perpetrados por entidades privadas, de modo que um acto de um particular e, portanto, não directamente imputável a um Estado, pode gerar responsabilidade do Estado, não pelo acto em si, mas pela falta de diligência para evitar a violação ou por não tomar as medidas necessárias para proporcionar reparação à vítima[4].
Numa altura em que, em Moçambique, as propostas sobre o novo quadro regulatório da Comunicação Social e da Radiodifusão ainda criam incertezas sobre o futuro, ao mesmo tempo que as propostas legislativas de prevenção e combate ao terrorismo e ao branqueamento de capitais criam riscos eminentes de “aperto” ao espaço cívico, no país, o MISA junta-se, também, à preocupação da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre a tendência de criminalização do jornalismo através da adopção de leis repressivas de censura, bem como o uso de acções judiciais estratégicas contra a participação pública.
Por sua vez, os desenvolvimentos tecnológicos também impõem preocupações sobre práticas que podem consubstanciar crimes contra jornalistas, tais como o uso de tecnologias de vigilância, incluindo aquelas alimentadas por inteligência artificial, no monitoramento de actividades de jornalistas e na descoberta ilícita de suas fontes de informação, com base em suposta preservação da Segurança Nacional, conforme nota, igualmente preocupada, a Comissão.
Tal como destacou, por sua vez, o secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, na sua mensagem sobre a data, o assédio no meio digital a jornalistas, em particular a mulheres, está a ser utilizado para os silenciar. Aliás, António Guterres quer, de resto, que se criem melhores salvaguardas para defender os jornalistas que mantêm a todos informados, pelo que os Estados devem previnir a violência contra os jornalistas, proporcionarem um ambiente seguro para o exercício das suas funções, levarem a tribunal aqueles que cometem crimes contra jornalistas e trabalhadores dos meios de comunicação social e garantirem que as vítimas e sobreviventes recebam apoio[5].
Maputo, 02 de Novembro de 2023
[1] https://www.un.org/en/observances/end-impunity-crimes-against-journalists
[2] https://misa.org.mz/index.php/publicacoes/relatorios/relatorio-2008/143-relatorio-sobre-a-liberdade-de-imprensa-e-dh-em-mocambique-2022/file
[3] https://www.misa.org.mz/index.php/destaques/noticias/193-comunicado-misa-condena-agressoes-contra-jornalistas-e-restricoes-a-liberdade-de-imprensa
[4] https://achpr.au.int/en/news/press-releases/2023-11-02/press-statement-occasion-international-day-end-impunity-cri
[5] https://unric.org/pt/mensagem-sobre-o-dia-internacional-pelo-fim-da-impunidade-de-crimes-contra-jornalistas/