O MISA Moçambique tomou conhecimento, com bastante preocupação, do escorraçamento, pelo adido de imprensa do presidente da República (PR), de jornalistas que se encontravam a fazer cobertura, esta quinta-feira, 04 de Abril de 2024, do decurso dos trabalhos da reunião da Associação Nacional dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN), um dos órgãos sociais do partido Frelimo.
Tudo começou quando o membro da ACLLN e veterano da luta de libertação nacional, Óscar Monteiro, exigiu, ao presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, a inclusão, na agenda da reunião, do debate sobre os pré-candidatos do partido para as eleições presidenciais deste ano. Para Óscar Monteiro, a agenda da reunião da ACLLN não podia se limitar a questões administrativas da ACLLN, passando à margem de uma das prioridades do momento, o que chamou por “elefante branco” presente na sala, que é a indicação do sucessor de Filipe Nyusi.
Óscar Monteiro ainda estava a discursar quando as imagens televisivas começaram a indicar turbulência na captação até que, finalmente, o sinal foi interrompido. Afinal, era Arsénio Henriques, o antigo jornalista da STV, agora adido de imprensa do PR, a interferir, grosseiramente, no trabalho dos repórteres convidados e credenciados pelo partido Frelimo para a cobertura do evento. Arsénio Henriques começou por virar, ele próprio, as câmeras das televisões, antes de ordenar a retirada imediata de todos os jornalistas que se encontravam na sala que acabava de ficar gelada com os pronunciamentos de Óscar Monteiro.
Aliás, um registo em formato áudio a que o MISA teve acesso mostra que, de facto, Óscar Monteiro ainda estava a confrontar o presidente sobre a sucessão, quando os jornalistas foram compulsivamente retirados por Arsénio Henriques. Vários jornalistas que testemunharam o caso contaram, ao MISA Moçambique, ter sido um episódio humilhante, embaraçoso e de total falta de respeito pela classe.
Posicionamento
O MISA Moçambique repudia, nos termos mais veementes, esta grosseira interferência do adido de imprensa do PR no trabalho jornalístico. O MISA lembra ao senhor Arsénio Henriques que o jornalismo, uma profissão que um dia ele próprio exerceu, não é uma actividade de puxa sacos que os adidos de imprensa devem limitar quando assim o entenderem e a seu bel prazer. Pelo contrário, trata-se, isso sim, de uma actividade nobre, que se rege por princípios constitucionais, que estão acima de qualquer adido de imprensa, princípios que incluem a independência dos jornalistas no exercício da sua profissão.
O MISA reconhece o direito ao partido Frelimo ou a qualquer outra entidade de realizar sessões à porta-fechada. O que, para o MISA, não é razoável é um adido de imprensa escorraçar repórteres que foram convidados para a cobertura do evento. Se o adido de imprensa pode recusar o direito de jornalistas em cobrirem determinados momentos das reuniões da Frelimo, o que tem sido prática, já não é aceitável ele ir virar câmeras de repórteres em plena gravação.
Ao proceder desta forma, o adido de imprensa do presidente tornou-se num violador directo da liberdade de imprensa que, entre outros, pressupõe o livre exercício da profissão, nos lugares onde o jornalista estiver por haver interesse público ou por terem sido autorizados a presença, como foi no caso.
Em vários eventos anteriores, Arsénio Henriques solicitou jornalistas para se retirarem das salas das reuniões, o que a classe nunca rejeitou. Por isso, o MISA não encontra razões para, desta vez, o adido de imprensa do PR ter partido para cima das câmaras e da classe jornalista. Aliás, é estranho que Arsénio Henriques tenha se lembrado que os jornalistas não estavam permitidos a permanecer na sala justamente na hora em que Óscar Monteiro fazia o discurso que embaraçou a actual liderança da Frelimo.
Por isso, entende o MISA Moçambique, esta actuação foi mais um acto de censura para evitar a difusão dos pronunciamentos de Óscar Monteiro, que qualquer outra alegada explicação. Para o MISA, não é tolerável pessoas ligadas ao mesmo partido Frelimo que convidou jornalistas para a cobertura do evento, escorracem-nos de forma humilhante, como fez o senhor Arsénio Henriques.
Finalmente, mas não menos importante, é, também, dever moral e ético do partido Frelimo e do seu presidente distanciarem-se, de forma clara, deste tipo de actuações que colocam em causa a liberdade de imprensa. Um presidente da República não pode ser conhecido como aquele que é rodeado por violadores das liberdades de imprensa, de expressão e do direito à informação.
Esta não é, pois, a primeira vez que membros da equipa do presidente da República agridem jornalistas em pleno exercício de funções. Em Setembro de 2023, a guarda presidencial agrediu, no Estádio Nacional do Zimpeto, o repórter desportivo, Alfredo Júnior, quando tentava obter a reacção de Filipe Nyusi perante a histórica vitória da selecção Nacional de Futebol perante o Benin, que garantiu a qualificação dos Mambas ao CAN. Mas Alfredo Júnior foi violentamente agredido pela guarda do presidente por estar a captar imagens com recurso a telemóvel.
Maputo, 05 de Abril de 2024