A notícia sobre o trágico naufrágio, do último domingo, 7 de Abril, que matou cerca de 100 pessoas, na praia de Quissanga, ao largo da Ilha de Moçambique, em Nampula, abalou a todos nós. Como uma organização que, entre outras dimensões de direitos fundamentais, defende e promove o acesso à informação de qualidade, abalou-nos, ainda mais, saber como a desinformação foi instrumental para a ocorrência que ceifou a vida de dezenas de concidadãos, na sua maioria mulheres e crianças.
De acordo com relatos divulgados na imprensa, foi a desinformação sobre a ocorrência de casos de cólera que precipitou a saída massiva da população do Posto Administrativo de Lunga, no distrito de Mossuril, com destino a outros locais, como a Ilha de Moçambique. Com o mar como a principal via para a saída de Lunga, cerca de 130 pessoas meteram-se numa embarcação não de passageiros, mas de pesca, no desespero de salvar vidas contra um alegado surto de cólera na região. Entretanto, as autoridades locais rejeitaram a ocorrência de casos de cólera, atribuindo a agitação e o desespero ocorridos à desinformação.
A desinformação sobre a cólera é um problema antigo, em Moçambique, particularmente nas regiões Centro e Norte. São vários casos em que lideranças locais e técnicos da saúde chegam a ser atacados por populares porque acusados de serem responsáveis pela distribuição de cólera, uma manipulação que se baseia no nome “cloro”, como é designado o produto que é distribuído pelas autoridades, nas comunidades, exactamente para purificar água e evitar doenças como a cólera. Infelizmente, a desinformação sobre a doença não tem encontrado uma solução à altura da sua gravidade. O acontecimento do último domingo, na Ilha de Moçambique, vem mostrar como este fenómeno, cada vez mais presente nos dias actuais, tem consequências nefastas para a vida em sociedade.
Por isso, ao mesmo tempo que se solidariza com as vítimas deste infortúnio e se junta às vozes que exigem a responsabilização dos que violaram ou deixaram de desempenhar o seu papel, incluindo as autoridades governamentais, o MISA Moçambique reafirma o seu entendimento de que combater a propaganda enganosa e desinformação, seja no mundo digital como no offline, é uma das maiores responsabilidades de todos, neste era “pós-verdade” em que as pessoas pouco se preocupam com informação factual, valorizando, pelo contrário, suas próprias crenças. Trata-se, pois, de prestar um serviço público por excelência, porquanto informação de qualidade é poder.
Esta é a razão por que, nos últimos anos, o MISA tem estado a trabalhar na promoção do acesso à informação de qualidade, incluindo através de iniciativas de combate à desinformação, por via da disciplina de verificação de factos. Foi neste contexto que, durante a pandemia da Covid-19, o MISA lançou uma unidade de verificação de factos, o Misa Check (http://misa.org.mz/misacheck/), que serviu para combater a desinformação que acompanhou aquela que foi uma das maiores pandemias na história da Humanidade. Face à desinformação sobre as vacinas, por exemplo, era preciso disponibilizar informação credível contra várias narrativas, algumas que apelavam aos cidadãos a não aceitarem a vacinação por, alegadamente, ser prejudicial à saúde humana.
Mais tarde, o Misa Check passou à verificação de desinformação não só sobre saúde, mas sobre outras áreas, incluindo política, que é uma das mais propensas à ocorrência de desinformação. Além da prática de fact-checking como vacina contra a desinformação, MISA tem apostado na formação de jornalistas sobre a matéria, nos últimos tempos com foco no ciclo eleitoral 2023-2024.
No entanto, o MISA entende que esta deve ser tarefa de todos. Nesta luta, os media têm, particularmente, uma responsabilidade acrescida para combater a desinformação. O que sucedeu na Ilha de Moçambique, por exemplo, foi, em parte, o resultado da ausência de informação credível, incluindo por parte dos media. Por seu turno, o Governo deve ser proactivo não apenas na disponibilização atempada de informação de qualidade, como, também, na promoção de acções consequentes de literacia digital para munir os cidadãos, particularmente os menos alfabetizados, de ferramentas que os permitam distinguir informação real de simples boatos.
O combate à desinformação deve ser de todos, Governo, media, sociedade civil, academia, instituições religiosas, entre outros extractos da sociedade. Não haverá media nem sociedade civil a triunfar no combate à desinformação enquanto o cidadão não muda a forma como consome a informação, passando a ser crítico e a verificar tudo antes de partilhar. Este é um chamamento para todos nestes tempos incertos que vivemos. Temos de travar esta luta já. De contrário, estaremos a encubar ainda mais tragédias que um dia a desinformação irá desenterrar. Como prova o caso da Ilha de Moçambique, combater a desinformação não é apenas um exercício para garantir informação de qualidade. É, também, uma forma de salvar vidas.
Maputo, aos 10 de Abril de 2024