Este artigo argumenta que a medida do Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) de estabelecer um preço mínimo demasiado elevado não está devidamente fundamentada e tem bases cientificamente questionáveis, sendo falaciosa a ideia de que ele visa “salvar a indústria de telecomunicações; uma vez os problemas actuais da indústria resultarem do baixo nível de intervenção do INCM contra os operadores com práticas de gestão danosas”. Esta medida, sob todos pontos de vista, é estranha e visa “sacar” dos consumidores, gerando benefícios financeiros ao próprio INCM e para as companhias de telecomunicações.
O Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) acaba de introduzir, através da Resolução n.º 1_BR/CA/INCM/2024, novas medidas que determinam preços mínimos a serem praticados pelos Operadores de Telefonia Móvel (Mcel, Vodacom e Movitel). Trata-se de medidas que vêm elevar ainda mais os custos dos serviços de chamadas, SMS e dados móveis em Moçambique, contra os actuais que já eram considerados elevados.
O INCM introduz estas medidas no âmbito dos seus poderes regulatórios da actividades de telecomunicações em Moçambique atribuídos pelo Decreto fundador (n.o 39/2021) e reforçados pela revisão feita pelo Conselho de Ministros, através do Decreto n.o 62/2019, que se lhe oferecem poderes de determinar preços mínimos de telecomunicações. Através da Resolução n.º 1_BR/CA/INCM/2024 de 19 de Fevereiro, o INCM estabelece os seguintes novos preços mínimos de telecomunicações em Moçambique:
Com a introdução da Resolução n.º 1_BR/CA/INCM/2024 de 19 de Fevereiro, automaticamente, o INCM revoga a Resolução n.º13/CA/INCM/2021, de 29 de Julho, sob a qual determinava as anteriores tarifas de tráfego que estiveram em vigor entre 2021 e 2024, conforme a tabela abaixo:
Mesmo que a resolução anterior nº 13/CA/INCM/2021 não fosse específica e detalhada sob ponto de vista do tipo de serviços regulados, igual ao que se fez actualmente com a Resolução n.º 1_BR/CA/INCM/2024; a tabela anterior mostra que o INCM, em 2021, tinha feito previsões de que o custo da chamada teria uma tendência decrescente e em 2024 estaria a ser 0,12 por minuto.
Ora, com o novo decreto o custo da tarifa passa a 0,72 dentro da mesma rede ou 0,96 de uma rede para outra. E, logo à partida, três questões prévias: i) O que teria acontecido para que tal não se efectivasse? ii) As previsões do INCM não foram feitas numa base de econometria fiável, tendo em conta diversos factores do mercado? Sendo verdade que tal foi feito com base em análises cientificamente ou tecnicamente válidas, o que teria acontecido passados três anos para que acontecesse uma subida drástica e superior aos custos operados em 2021?
Mesmo sem respostas ainda sobre estas questões, temos a certeza de que a resolução recentemente aprovada pelo INCM tem vindo a levantar descontentamentos (dos quais nós nos associamos), sobretudo por ser considerada totalmente antinómica e questionável, sob todos os pontos de vista: seja a nível da natureza de economia de Escalas do negócio das telecomunicações. Das provas de que as operadoras de telefonia nos têm vindo a providenciar ao longo dos últimos anos temos uma percepção consolidada de que existem erros de gestão dos operadores de que o INCM vem protegendo e que não tem exercido a função de regulador sobre eles. Por isso, no nosso entender, mais do que reconhecer a relevância que as telecomunicações representam para a sociedade digital, um preço razoável constitui uma condição sine qua non para a inclusão e, por outro lado, garantir que a Internet, enquanto um direito humano, seja de acesso para todos os moçambicanos, pobres ou ricos. Sendo que a função primária do INCM deveria, antes de estabelecer preços mínimos elevados, enquanto regulador, buscar corrigir os erros cometidos pelos operadores e não imputar as falhas de gestão das empresas aos consumidores, através do agravamento de tarifas.
No meio desta crise, o Presidente do Conselho de Administração (PCA) do INCM, Engenheiro Tuaha Ossifo Chabane Mote, veio ao público argumentar que esta medida visa garantir a sustentabilidade da indústria das telecomunicações em Moçambique. Mais tarde, o ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala, entidade de tutela do INCM, veio, através do jornal O País, do dia 9 de Maio, reiterar que a decisão tomada pelo INCM, relativa às tarifas de telefonia móvel, visa tornar mais sustentável a indústria de comunicações, conforme a citação:
“A indústria das telecomunicações tem de ser sustentável. E, para que haja essa sustentabilidade, ela precisa, como outras indústrias, de investimentos, e eles vêm de outras actividades, que são a venda de serviços. Então, para que haja essa sustentabilidade temos de ter o preço certo, que é capaz de cobrir o custo e deixar alguma coisa para investimento e criação de emprego”.
No nosso entender, este argumento feito pelo PCA e o ministro mostra-se, em primeiro lugar, improcedente por ser vazio de elementos que o sustente, isto é, tanto o ministro como o PCA do INCM não apresentam factos ou provas sobre o que designam de insustentabilidade. Os dois referiram-se à insustentabilidade, num mero argumento de autoridade que não se baseia em evidências provindas de estudos que consubstanciem esta decisão. Uma decisão desta dimensão deve, sem equívocos, ser baseada em estudos aprofundados, apresentados e discutidos pelos diversos sectores da sociedade. O que nunca aconteceu. Por exemplo, quem nos garante que as falhas no mercado de que impactam na sustentabilidade sejam movidas por outros motivos que não sejam o preço? Mais ainda, quem nos garante que o preço mínimo alto vai, efectivamente, corrigir o problema, atendendo que existem outros serviços alternativos que concorrem com as operadoras de telefonia móvel na oferta de serviços de Internet?
A falta de resposta a estas questões nos faz, certamente, anuir à tese de que os preços imputados ao cidadão não visam, conforme se propõe, resolver os problemas do mercado. Pois, existem outros factores que ditam a insustentabilidade das operadoras de telefonia móvel. Com base no histórico operacional das empresas de telecomunicações em Moçambique e do contexto global e a natureza da indústria das telecomunicações, podemos colocar questões e o argumento de que os argumentos do PCA do INCM e do ministro dos Transportes e Comunicações são subtis, nos termos que passamos a explicar em três pontos seguintes:
Em primeiro lugar, temos de considerar que a sustentabilidade e os investimentos devem ser retornáveis a longo prazo, isto porque as telecomunicações operam numa economia de escala e, num contexto nacional em que o crescimento do consumo é potencialmente forte ao longo do tempo, pois não faz sentido reclamar retornos imediatos aos investimentos. Isto é, para os casos das telecomunicações, o que se investe hoje vai ser compensado ao longo do tempo, com o crescimento dos usuários e a expansão da rede. As estatísticas mostram que as telecomunicações em Moçambique estão a explorar abaixo de 30% do mercado, sendo que existe grande potencialidade de compensar os custos de investimentos da expansão da rede, com o número de usuários que, objectivamente vai crescer nos próximos anos, seja explorando áreas não cobertas ou com o aumento da população. A ciência é simples: Mais usuário, baixo custo a pagar. Aliás, o próprio INCM já havia feito esta projecção no decreto de 2021, onde previu a baixa do preço em 2024, conforme referimos acima.
Ainda ligado ao ponto anterior, deve-se sublinhar que a tendência global, com a inovação tecnológica e os investimentos em fibra óptima, satélites e outras infra-estruturas de comunicações, os custos de telecomunicações tendem a baixar. Por exemplo, na Europa, já foi eliminado o roaming entre os países na União, faz alguns anos.
Em 2023, a Vodacom Moçambique fez a inauguração do cabo submarino “2Africa” que interliga Europa (com ligações em Portugal e Reino Unido), África (Senegal, Gana, Angola, África do Sul, Moçambique, Somália, Egipto, entre outros) e Ásia (Iraque, Irão, Paquistão, Índia, entre outros). A Vodacom, parceira do Consórcio Internacional constituído pela China Mobile International, Meta, Bayobab, Orange Telecom Egypt; Grupo Vodafone (empresa-mãe da Vodacom) e WIOCC, veio a dizer, citado pelo Jornal Diário Económico do dia 16 de Agosto de 2023:
“Através desta infra-estrutura de cabo de fibra óptica submarina, a Vodacom fornecerá uma saída internacional directa para serviços de internet mais rápidos e confiáveis no País... Este é o primeiro cabo submarino a aterrar no norte do País, depois de ter aterrado em Maputo [sul] em Fevereiro, com a promessa de maior capacidade de internet e conectividade acelerada para os clientes da Vodacom, apoiando a crescente economia digital em Moçambique”.
Não precisando de explicar tanto, a Vodacom, ao fazer estas referências ao crescimento da economia digital, não o faz no sentido de exclusão, mas sim da facilitação de acesso e de um pacote de preços inclusivos para os seus clientes.
Em segundo lugar, o nosso argumento é de que a gestão das empresas de telecomunicações está cheia de exemplos sobre as falhas no mercado derivadas de má gestão cometidas pelas operadoras de telefonias móveis. E, por este motivo, o INCM não pode imputar os problemas derivados de má gestão das telefonias móveis aos cidadãos consumidores, mas sim deve intervencionar as operadoras. Os erros de gestão do mercado de telecomunicações exigem que o INCM tenha a coragem igual a do Banco de Moçambique que, enquanto regular do sistema bancário, dá aos seus regulados (os bancos) para proteger os consumidores e não inverter a lógica. Somente para exemplificar: em que momentos soubemos publicamente de acções firmes do INCM perante os problemas de gestão da Tmcel?
Sabe-se, por exemplo, que a Vodafone, empresa global detentora da Vodacom em Moçambique, encontra-se em crise. Em Fevereiro deste ano, a Vodafone foi condenada a pagar uma indemnização de cerca de 29 biliões de rands a Kenneth Nkosana Makate, inventor do famigerado “Please Call Me”, devido a incumprimentos contratuais e negligência da operadora. Trata-se de um facto que coloca o grupo, a nível mundial, em situação de alarme, o que deveria com certeza preocupar o regular.
Mais uma vez, que tipo de acções foram tomadas pelo regulador para que os efeitos da situação global da Vodafone não influenciassem em falhas no mercado de telecomunicações em Moçambique, dada a fatia de mercado que a Vodacom representa para a indústria?
Em terceiro lugar, devemos destacar o facto de o INCM ter ganhos claros nos preços estabelecidos. Na Resolução n.º 6/CA/INCM/2023 de 27 de Novembro, no artigo 1, estabelece percentagens que incidem sobre as tarifas máximas homologadas para a determinação da receita mínima arrecadada pelos operadores: a) 20% para todos os tráfegos internacionais; b) 15% para todos os tráfegos nacionais e de roaming; e c) 7.5% para o tráfego de dados. Isto significa que o INCM vai ter ganhos directos das taxas cobradas nas modalidades actuais.
Estes ganhos associam-se ao estabelecido pelo Decreto n.o 38/2023, no seu artigo 15, sobre Receitas Referentes ao Controlo de Tráfego, no qual diz: “O resultado da receita obtida a partir do tráfego gerado, referida no número anterior, é repartida do seguinte modo: a) operador, 90%; b) Autoridade Reguladora 3,5%; e c) Orçamento do Estado 6,5%.
Note-se que não mencionamos aqui os ganhos que o INCM tem nos contratos de licenças bilionárias com cada uma das operadoras móveis e/outras empresas de telecomunicações que funcionam em Moçambique.
Em conclusão, enquanto não houver explicações ou argumentos consistentes podemos manter o nosso entendimento de que o INCM, ao invés de servir e proteger os interesses dos cidadãos através de uma correcta regulação do bem público (o espaço radioeléctrico), está num processo reversivo de sobrepor-se às próprias empresas de telefonia móvel para impor custos mínimos elevados das telecomunicação para que, através desses custos, obter ganhos económicos avultados e, na mesma medida, proteger as três empresas de telecomunicações, Mcel, Movitel e Vodacom.
Podemos, muito facilmente, compreender que os custos de operações não visam fazer nenhuma correcção ao mercado e garantir a sustentabilidade da indústria de telecomunicações, mas sim tornar o INCM um gigante financeiro das telecomunicações, além de regulador.
Com base na nossa argumentação, queremos terminar colocando uma pergunta a quem de direito: Quem coloca freios ao INCM que vai regulando ao seu favor, empurrando os custos dos ganhos que pretende retirar ao cidadão moçambicano, maioritariamente pobre? A quem o INCM presta conta sobre as suas operações e ganhos? Não seria este caso matéria de inquérito parlamentar sobre as medidas do INCM? Não seria esta matéria de intervenção do Provedor de Justiça para verificar a sua constitucionalidade e proteger os direitos dos cidadãos?
Veja a publicação em PDF: O problema da subida dos custos de telecomunicações: Quem coloca “freios” ao INCM?
Ernesto Nhanale
Director Executivo do MISA-Moçambique, exercendo as funções de Professor de Media e Jornalismo. Nos últimos anos, enquanto pesquisador, tem vindo a investigar sobre o impacto da digitalização na vigilância e violação dos direitos à privacidade, estando ligado ao Projecto de Pesquisa “Public oversight of digital surveillance for intelligence purposes: a comparative case study analysis of oversight practices in Southern Africa”, implementado sob os auspícios da British Academy Global Pressorrship, sedeado pela University of Glasgow, sob o qual tem vindo a desenvolver estas análises.