Foi como nos filmes. Uma equipa da STV estava a entrevistar o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM), ao nível da cidade de Maputo, quando viu a sua câmara de filmagem a ser arranca e a desaparecer com um grupo de indivíduos que se fizeram numa viatura sem chapa de matrícula. Nem a presença de Leonel Muchina, o porta-voz que estava a ser entrevistado, nem de outros vários agentes que se encontravam no “local do crime”, evitou este grave atentado contra a liberdade de imprensa. O acto deu-se no início da noite desta terça-feira, 04 de Junho, na capital do país. Entretanto, até às 13h desta quarta-feira, o equipamento de trabalho da STV não tinha sido reavido.
Tudo começou quando uma equipa da STV se fez à rua para descrever o drama vivido por agentes do antigo Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP), que durante cerca de uma semana, estavam acampados defronte das instalações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), na capital do país. Posicionar-se em frente ao escritório do PNUD é a forma encontrada pelos agentes do antigo SNASP para pressionar a ONU a intervir para o pagamento das compensações que lhes são devidas pelo Governo moçambicano há mais de 20 anos, eles que foram desmobilizados com a intervenção das Nações Unidas, à luz do Acordo Geral de Paz,
Na segunda-feira, dia 03 de Junho, choveu torrencialmente, na cidade de Maputo, o que foi dramático para os desmobilizados que se encontravam ao relento. Foi para colher depoimentos sobre este drama e demais contornos sobre a concentração dos agentes que, no final da tarde desta terça-feira, uma equipa da STV deslocou-se ao local onde os visados estavam amotinados. Enquanto entrevistava os desmobilizados, a equipa da STV registou a chegada de agentes da Polícia, bem como o momento em que eles forçavam os amotinados a abandonarem o local. A seguir, a equipa entrevistou o porta-voz da PRM, ao nível da cidade de Maputo, Leonel Muchina.
Foi durante essa entrevista que indivíduos não identificados e que se faziam transportar numa viatura sem chapa de matrícula derrubaram o operador de câmara da STV, arrancando o seu instrumento de trabalho. Após arrancarem a câmara, desapareceram do local. Os vários agentes da Polícia, que se encontravam no local, ficaram indiferente ao caso em que o equipamento de trabalho jornalístico era arrancado à sua frente e à luz do dia.
Uma equipa da STV foi submeter queixa do caso na 3ª Esquadra da Polícia. No local, abriu-se um auto contra desconhecidos. No entanto, até ao início da tarde desta quarta-feira, quando fechávamos este artigo, a STV ainda não tinha recuperado o equipamento de trabalho. Refira-se que, ainda na noite de ontem, uma activista do Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD) foi recolhida pela Polícia, enquanto fazia uma transmissão em directo sobre a intervenção policial na retirada dos agentes do antigo SNASP. Uma publicação do CDD indicava que, até à manhã desta quarta-feira, a activista continuava em parte incerta.
Posicionamento
O MISA Moçambique condena, nos termos mais veementes, estes graves atentados contra as Liberdades de Imprensa e de Expressão. Arrancar material de trabalho de jornalistas, em pleno exercício profissional, é uma flagrante violação à Liberdade de Imprensa, que não pode ser tolerada numa sociedade democrática. Se tal não é tolerável, mais grave ainda é tal ser cometido perante a indiferença de um contingente da PRM.
Como país, não nos podemos permitir que jornalistas tenham seu material arrancado em pleno exercício da profissão. Enquanto condena este acontecimento vil, o MISA Moçambique insta a quem de direito a investigar e a responsabilizar os indivíduos envolvidos neste acontecimento. Esclarecer este caso é uma das formas de afastar as fortes suspeitas de o caso ter sido cometido por agentes da Polícia, o que, inclusivamente, é entendido como sendo a explicação da indiferença dos agentes devidamente identificados que se encontravam, no local que, alegadamente, não podiam parar a acção de seus próprios colegas.
De igual modo, o MISA solidariza-se com o CDD e junta-se ao pedido para a imediata libertação da activista detida pela Polícia. Prender uma activista por estar a fazer uma live é contrário à liberdade de expressão, sobretudo nesta era tecnológica, em que as tecnologias permitiram o surgimento até do chamado cidadão repórter. Enquanto um país que se quer democrático, não podemos insistir com estas violações contra as próprias liberdades fundamentais em democracias, como as de imprensa e de expressão.
Maputo, 05 de Junho de 2024