O MISA Moçambique tomou conhecimento da suspensão, esta terça-feira, do sinal da Televisão Soico (STV) na plataforma TMT. Para o MISA, o fundamento comercial evocado pela TMT não passa de uma escusa para restringir aos cidadãos dos serviços de informação providenciados pela STV, sendo uma restrição deliberada ao direito fundamental como o Acesso à Informação, sobretudo quando causadas por um modelo de negócio concorrencial desleal como o da TMT, em que empresas concorrentes da STV, como a TVM e a RM, não têm nenhum tipo de custos por terem chegado à estrutura accionista da TMT, com critérios pouco claros. Por outro lado, o MISA entende que a TMT, em Moçambique, ao cobrar as estações de televisão, faz uma inversão da norma do negócio dos media, no mundo em que os distribuidores são os que devem pagar pelos conteúdos dos produtores. Isto é, deveria ser a STV a cobrar a TMT por distribuir os seus conteúdos, não o contrário.
Alegando incumprimento de acordos comerciais, a Transportes – Multiplexação e Transmissão (TMT), empresa privada constituída com endividamento público, cerca de USD 150 milhões, decidiu suspender a STV da sua plataforma, impedimento que cerca de 640 mil moçambicanos conectados aos decoder da TMT tenham acesso a este que é um dos principais canais de televisão com informação alternativa sobre os acontecimentos do país. Na sua argumentação, TMT diz que, no dia 12 de Agosto de 2024, em cumprimento de uma decisão tomada pelo seu Conselho de Administração (CA), e atempadamente informada aos seus accionistas, a provedora procedeu a suspensão do sinal da STV na sua plataforma.
A TMT é composta pelas empresas públicas Televisão de Moçambique (TVM), Rádio Moçambique (RM), StarTimes Internacional e a Focus 21, através da StarTimes Moçambique. A TMT explica, ainda, que esta decisão resulta de um longo processo de contactos e tentativas de negociação que, por responsabilidade exclusiva da STV, não surtiu efeitos pretendidos. A TMT aloja 18 canais de televisão nacionais, sendo que cada um tem de pagar 415.087,00 meticais/mensais pelo uso de 60 sites de transmissão do sinal que a plataforma oferece em todo o país. Contudo, devido a fragilidades financeiras, a maioria dos canais nacionais não usam nem menos da metade dos sites.
O mesmo não acontece com a STV, que transmite seus conteúdos em todo território nacional e que, para tal, tem a obrigação de pagar na totalidade o valor acima mencionado, mas que, segundo a TMT, não está a pagar desde 2020, altura em que a empresa iniciou com as cobranças pelo uso do sinal. De acordo com a TMT, a falta de pagamento de mensalidades fez com que a STV acumulasse dívidas na ordem de 3.608.048,00 meticais. Por sua vez, a STV entende que é produtora de conteúdos que a TMT coloca na sua plataforma e, tal como faz com os canais internacionais, também deve pagar pelo uso desses conteúdos. Isto é, na óptica da STV, quem deve pagar ao outro é a TMT porque esta não produz conteúdos.
A STV também questiona o facto de os accionistas da TMT serem concorrentes directos. Por exemplo, a StarTimes é provedora de serviços de televisão digital em Moçambique, competindo com outras empresas que têm a mesma actividade. Por outro lado, a StarTimes está na estrutura societária da TMT, fazendo com que também realize serviços de processamento, transporte, distribuição, e emissão de sinais de rádio e televisão digital. Isto significa que a TMT distribui conteúdos de canais de televisão nacional por meio de contrato com estes canais. No entanto, passa os mesmos canais para a StarTimes, que os distribui de igual modo. Ou seja, neste momento, a StarTimes tem duas plataformas de distribuição de televisão digital, nomeadamente a própria StarTimes e a TMT. Ademais, a decisão de fixação de preços de transmissão da TMT foi tomada sem consulta nem audição prévia às empresas de comunicação social.
Posicionamento
Enquanto uma organização de defesa das Liberdades de Imprensa e de Expressão e do Direito à Informação, o MISA Moçambique mostra-se profundamente preocupado com a suspensão da STV pela TMT. A decisão da TMT coloca em causa o direito fundamental de Acesso à Informação que assiste a todo o cidadão moçambicano, ainda mais porque a TMT é o serviço de televisão mais acessível à maioria do povo moçambicano, sobretudo os pobres. Mais ainda, não é apenas a STV que tem dificuldades de pagar os custos de transmissão do sinal a TMT. Todos canais são incumpridores. A TVM não paga nenhum tostão, alegadamente por ser accionista da TMT. A Miramar e a TV Sucesso, que também transmitem o sinal em todo país, pagam, em média, até 30% do valor que a TMT cobra mensalmente.
A argumentação do Presidente do Conselho de Administração (PCA) da TMT, António Barros, segundo a qual a sua empresa tomou medidas extremas contra a STV porque, para além de não pagar pelo uso da plataforma, o canal televisivo não aceita assinar o contrato de adesão aos serviços da TMT e muito menos aceita dialogar, mostra-se desproporcional. O MISA entende que as rivalidades comerciais não podem colocar em causa um direito fundamental como o Acesso à Informação, sobretudo quando se trata de rivalidades causadas por um modelo de negócio concorrencial desleal como o da TMT, em que empresas concorrentes da STV, como a TVM e a RM, não têm nenhum tipo de custos por terem chegado a estrutura accionista da TMT, com critérios pouco claros.
Sob ponto de vista da lógica do negócio dos Media, o MISA entende, com base nas experiências diversas, que a TMT é quem deve pagar aos produtores (as televisões) por usar os seus conteúdos para realizar o seu negócio de distribuição e não o contrário. Ao cobrar as estações de televisão, a TMT faz, pois, uma inversão da norma do negócio dos media, no mundo, em que os distribuidores são os que devem pagar pelos conteúdos dos produtores. Além de limitação do Direito à Informação, preocupa o momento em que a decisão da TMT é tomada. A empresa suspende a STV numa altura em que o país entra para a fase decisiva do processo eleitoral, que irá culminar com a votação do dia 9 de Outubro.
Embora a função dos media não se limite às eleições, durante estes períodos, o Acesso à Informação dos media revela-se de extrema importância para permitir uma participação informada do cidadão nas eleições. Este é, pois, um momento de grandes decisões para o país e que, por isso, o cidadão precisa de ter acesso à informação para tomar a melhor decisão. Por isso, o momento não se compadece com apagões contra a informação, independemente de se concordar ou não da linha editorial de determinado órgão de comunicação.
Neste momento em que a TMT decidiu suspender a STV, um dos principais canais de televisão com informação alternativa sobre os acontecimentos do país, o MISA lembra que o Acesso à Informação é um direito constitucional, em Moçambique. A Constituição da República consagra, a todos moçambicanos, no seu Artigo 48 (Liberdades de Expressão e de Informação), o Direito à Informação, que não pode ser limitada por censura. O MISA lembra que, quando Moçambique desligou, no 10 de Dezembro de 2021, os últimos emissores analógicos de televisão, marcando assim a conclusão do processo de migração da radiodifusão de analógica para digital, o Governo classificou esse como um marco e uma oportunidade para maior acesso à televisão pelos moçambicanos, uma vez que o sistema analógico não tinha uma cobertura em todo o território nacional, contrariamente ao sistema digital que tem cobertura nacional.
Maputo, 15 de Agosto de 2024