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Promovendo a Liberdade de Expressão na África Austral

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A onda de manifestações derivadas da contestação dos resultados eleitorais, que assolam o país, desde o passado dia 21 de Outubro, tem estado a condicionar, significativamente, o exercício da actividade jornalística, no país, facto que, além de colocar em causa a Liberdade de Imprensa, denega o direito do cidadão à informação, através dos media. A situação é agravada pela escassez de informação oficial da parte das autoridades estatais e de alguns sinais indirectos de censura. Neste texto, o MISA Moçambique faz a radiografia da difícil realidade enfrentada por jornalistas para cumprir a sua nobre missão de informar, durante as manifestações correntes. Este documento, que inclui testemunhos dos que, dia e noite lutam para trazer informação ao público, é publicado com conhecimento do Conselho Superior de Comunicação Social (CSCS), órgão do Estado responsável, entre outros, por assegurar a independência dos meios de comunicação social, no exercício dos Direitos à Informação e à Liberdade de Imprensa (nº 1 do Artigo 50 da Constituição da República).

A Liberdade de Imprensa e o Direito à Informação são direitos fundamentais consagrados na Constituição da República de Moçambique (Artigo 48) e nas Leis de Imprensa (18/91 de 10 de Agosto) e do Direito à Informação (34/2014, de 31 de Dezembro). Estes instrumentos e outros internacionais de que Moçambique é signatário preconizam o livre exercício da actividade jornalística por parte dos profissionais de comunicação social.

A título de exemplo, nos termos do Artigo 27 da Lei número 18/91 de 10 de Agosto, o jornalista tem livre acesso e permanência em lugares públicos onde se torna necessário o exercício da profissão e não pode ser detido, afastado ou, por qualquer forma, impedido de desempenhar a respectiva missão no local onde for necessária a sua presença como profissional de informação. No entanto, desde que a crise pós-eleitoral começou, este direito do jornalista tem sido violado de forma sistemática.

Com efeito, os jornalistas têm sido alvos de ataques e perseguições, tanto da parte das autoridades públicas, que não se conformam com a publicitação dos factos e querem omitir, a todo custo, a informação, assim como de pessoas envolvidas nas manifestações, ao entenderem que o jornalista ou a empresa de comunicação não estão a reportar a seu favor. Por outro lado, as manifestações limitam a liberdade de circulação, criando dificuldades, também aos jornalistas, de aceder os seus postos de trabalho ou mesmo ao terreno, à busca da própria informação.

Alteração da programação

Algumas empresas de comunicação social que operam 24 horas por dia deixaram de fazer alguns programas nocturnos em directo, porque, a partir de certa hora, a circulação é limitada. Até há casos de alguns órgãos que deixaram de difundir os jornais da noite em directo, optando por gravar seus programas e difundir em diferido.  

Outras empresas viram-se forçadas a ajustar as suas actividades, uma vez que os trabalhos nocturnos são praticamente difíceis. A interrupção e/ou limitação dos serviços de internet, impostas pelo Governo, na segunda etapa das manifestações, também criou enormes dificuldades aos profissionais de comunicação social de prosseguir com as suas actividades, principalmente aqueles que dependem, inteiramente, das Tecnologias de Informação e Tecnologia (TICs) para difundir suas informações.

De 21 de Outubro a esta parte, vários jornalistas viram-se privados do seu material de trabalho, ora porque foi confiscado pelas autoridades policiais ou porque foi vandalizado pelos manifestantes.

O testemunho de jornalistas

Coutinho Maquinasse é repórter da TV Sucesso. Desde o dia 21 de Outubro tem estado no terreno a fazer a cobertura dos movimentos de rua e conta que a tarefa não é fácil. Segundo ele, qualquer instabilidade afecta, de forma directa ou indirecta, o processo de recolha e divulgação de informação. Por um lado, as autoridades públicas não gostam que os jornalistas levem informações reais em tempo oportuno para a população porque, no seu entender, instiga a violência.

Diz que a Polícia acusa os jornalistas de serem instigadores de violência, por isso, trata-os de forma cruel. Por outro lado, a população que manifesta, na rua, quer que as informações que vão ao ar sejam de acordo com os seus desejos. Se os manifestantes entenderem de outra maneira, o órgão passa a ser alvo. Frisa que as partes não entendem que, como jornalistas, eles têm o dever de abordar os assuntos em todos os ângulos e ouvir todas as partes, independentemente da vontade ou dos propósitos de cada uma delas.    

“Sofremos com as autoridades que deviam nos garantir a segurança. Por outro lado, somos penalizados pelos manifestantes por estar a alargar as suas vozes”, lamenta. Macanandze conta que, por várias vezes, no exercício das suas funções e devidamente identificado, inalou gás lacrimogénio atirado de forma propositada pela Polícia, simplesmente, porque não queria que os jornalistas estivessem a fazer a cobertura.   

As autoridades e os manifestantes não querem entender que, tal como qualquer área de actividades, o jornalismo tem regras próprias que devem ser seguidas, sob o risco de desvirtuar a realidade dos factos. O repórter também conta que, por várias vezes, a empresa que representa viu parte do seu equipamento de trabalho danificado pelos manifestantes.

“As nossas viaturas de reportagem estão devidamente identificadas. Nós, como repórteres, também estamos identificados, mas alguns manifestantes, muitos deles sob efeito de álcool ou de drogas, não nos poupam. Atiram pedras e danificam nossos bens, limitando o exercício da nossa actividade. Algumas vezes não somos bem-vindos, quer para a população, assim como para as autoridades”, lamenta Macanandze.       

O jornalista finaliza o seu desabafo lamentado a escassez de informação oficial por parte das autoridades públicas, o que abre espaço para especulação e propagação de notícias incorrectas. “Desde que as manifestações começaram e as autoridades perderam o controlo sobre elas, mesmo com a repressão excessiva da Polícia, sentimos algum fechamento de fontes oficiais. As autoridades não divulgam com precisão e exactidão os números das vítimas mortais, feridos, detidos ou outras informações relevantes. E, na falta de informações oficiais, somos obrigados a recorrer a fontes alternativas, o que pode nos levar ao erro”, lamenta.

Por sua vez, Carlos Jossias, jornalista da Rádio Televisão Portuguesa (RTP - África), baseado em Maputo, conta que as manifestações estão a cimentar um espírito de ódio entre as pessoas e os jornalistas também não escapam. Diz que muitas vezes, os manifestantes enfurecidos, na sua retaliação, não olham para os alvos. Assim, as pedras, garrafas e bombas caseiras lançadas pelos manifestantes não escolhem os alvos. Os jornalistas que estão a linha da frente são, também, vítimas.

Jossias conta que, durante a cobertura das manifestações, testemunhou um facto em que o delegado da Agência Lusa foi atingido por uma pedra atirada do topo de um prédio. Diz que os alvos eram os agentes da Polícia que estavam a repelir os manifestantes, mas a pedra atingiu o jornalista da Agência Lusa que, por um milagre, não teve danos maiores porque não atingiu parte sensível do corpo. “Imagine se aquela pedra enorme, atirada pelos manifestantes tivesse atingido a cabeça do colega. Os danos seriam maiores, até a sua vida estaria em causa. Infelizmente, é esta realidade que encontramos no terreno”, lamenta.

Reginaldo Tchambule, editor do semanário Evidências, conta que as manifestações estão a limitar o direito à circulação e os repórteres do Evidências são vítimas, já que dependem de transporte público para alcançar o posto de trabalho. “Há situações em que os nossos colaboradores não conseguem chegar ao serviço porque as estradas estão bloqueadas pelos manifestantes e isso complica o nosso trabalho e, como consequência, o cidadão fica sem direito à informação”, conta.

Tchambule recorda a semana em decorreu a segunda etapa das manifestações. As ruas foram bloqueadas pelos manifestantes e o transporte público de passageiros não circulava. Por outro lado, o Governo limitou o sinal da Internet.

Portanto, os repórteres não podiam deslocar-se ao serviço pois as vias estavam fechadas e, com a internet limitada, também não podiam fazer o teletrabalho. Como resultado das restrições, o jornal acabou não sendo publicado na data habitual. Chegou ao leitor com o atraso de 24 horas.

Abílio Maolela, coordenador do Diário Electrónico Carta de Moçambique, explica que, antes de ser jornalista é, também, cidadão que vive num bairro comum, junto das pessoas que manifestam e que precisa de acessos para chegar ao seu local de trabalho. Portanto, da casa para o local de trabalho, também sofre as mesmas privações que atormentam outras pessoas, como é o caso do risco da danificação da sua viatura ou da integridade física.

Cada vez que se faz à rua, Maolela diz que sente o risco de ser vítima de balas da Polícia ou de instrumentos contundentes lançados pelos manifestantes. Devido à natureza do trabalho, que por vezes o obriga a terminar a sua actividade laboral a altas horas da noite, no regresso também enfrenta, na via pública, barricadas e extorsões dos manifestantes. Aliás, há uma semana, viu um dos vidros da sua viatura danificado pelos manifestantes, que atiraram pedras contra ele. Diz que as dificuldades de mobilidade o limitam de cobrir certos eventos, o que prejudica o trabalho. Isto porque alguns manifestantes não entendem a nobreza do seu trabalho e agem de forma brutal.

Abílio Maolela conta também que, desde que as manifestações ganharam terreno, as fontes oficiais de informação têm a tendência de se fechar cada vez mais. Não se abrem para jornalistas e, das poucas vezes que o fazem, escolhem os órgãos que devem cobrir os eventos e as empresas privadas de comunicação social são as mais prejudicadas, alegadamente, porque não difundem informações à favor do Governo.

Segundo o jornalista, a escassez de informação oficial cria dificuldades à classe, visto que, muitas vezes, não têm a possibilidade de fazer o contraditório ou a confirmação dos factos. Aponta como exemplo as discrepâncias que existem em torno do número de mortos, desde que as manifestações iniciaram. Frisa que, por exemplo, a Sociedade Civil apresenta seus números, as unidades sanitárias também têm seus dados e o Governo, por sua vez, tem seus números.

Entende que estas discrepâncias, além de induzir o jornalista para o erro, dificulta o tratamento de informação que vai para o consumo público. Por isso, apela ao Governo para que seja mais aberto e flexível na difusão de informação para não lançar a sociedade para o campo de especulações.      

S. Matula [nome fictício] jornalista da Televisão de Moçambique (TVM) fala da intolerância e ódio que as pessoas têm para com aquele órgão de comunicação social, facto que, muitas vezes, periga a integridade física dos jornalistas e coloca em causa o património da instituição. Explica que, por várias vezes, foi obrigado a interromper a produção de reportagens por temer violência popular, já que os manifestantes conotam a Tv pública como aliada do Governo.

“Os deveres do jornalista e das empresas de comunicação social estão definidos na Lei. Não há discriminação entre empresas públicas e privadas. Portanto, quando vamos ao terreno, usamos os mesmos métodos de recolha e difusão de informação, mas, como redacção, temos sempre a nossa linha editorial. Infelizmente, algumas pessoas não gostam da forma como descrevemos ou tratamos os assuntos, o que é normal, mas isso não pode ser um mecanismo de difusão de ódio. Lamentavelmente, sentimos isso no nosso dia-a-dia”, disse.      

Matula explica que, por várias vezes, a sua equipa de reportagem foi impedida de recolher informação em determinados lugares e, para pressionar os jornalistas a saírem do local, os manifestantes atiraram pedras e garrafas. Sublinha que alguns colegas são vítimas de intolerância popular, nos bairros porque ser repórter da televisão pública é visto como aliado do Governo.

“Se, antes, podia sair à rua, ir a uma tasca beber uma cerveja e conversar com a vizinhança, com as manifestações, a situação ficou complicada. Parte dos meus vizinhos já não diferenciam o cidadão Matula do jornalista da televisão. Muitas vezes chingam-me e acusam de ser protector do Governo porque as informações que veiculámos não retractam a realidade dos factos; que não é a informação que o povo quer. São discussões que geram ânimos e emoções que, em algum momento, colocam em causa a minha segurança. Por isso, para evitar o pior, fui obrigado a mudar os hábitos de vida, incrementando os níveis de segurança para mim e para a família, além de reduzir a minha circulação na zona. É triste, mas é uma realidade que vivemos desde o dia 21 de Outubro. As nossas liberdades estão a ser limitadas”, lamentou.

         

Maputo, aos 22 de Novembro de 2024

                                  

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