A. ENQUADRAMENTO
A data de 7 de Julho de 2020 marca a passagem de noventa dias desde o desaparecimento de Ibraimo Mbaruco, locutor da Rádio e Televisão Local de Palma, no norte da província de Cabo Delegado, num acto que se configura como um crime de rapto e/ou sequestro.
Ibraimo Mbaruco foi visto pela última vez no dia 7 de Abril de 2020, a mesma data em que cerca das 18h00, enviou uma mensagem por telemóvel (SMS) ao seu colega, Juma Saíde Alide, informando que estava “cercado de militares”. Ibraimo Mbaruco fazia-se transportar numa motorizada de cor preta, marca Algazal, juntamente com a qual os seus raptores o levaram.
Desde esta ocorrência que o MISA Moçambique tem estado a realizar todo o tipo de diligências com vista à localização de Ibraimo Mbaruco.
Como parte destes esforços, que incluem contactos com as autoridades do Estado e do Governo, o MISA-Moçambique enviou, de 15 a 17 de Junho de 2020, uma missão à cidade de Pemba, capital da província de Cabo Delgado, com o objectivo de colher mais pormenores sobre as circunstâncias que levaram ao rapto de Ibraimo Mbaruco e apurar, de forma detalhada, o decorrer do processo resultante da queixa apresentada pela família ao Ministério Público, na cidade de Pemba, no dia 14 de Abril de 2020.
Durante a sua estada em Pemba, a missão encetou vários contactos que julgou relevantes, nomeadamente com familiares de Ibraimo Mbaruco, dirigentes de associações de media e com entidades públicas com responsabilidade em termos de investigação de situações que consubstanciam o tipo legal de crime de rapto e/ou sequestro.
Dada a natureza e sensibilidade do assunto, a generalidade dos contactos não é expressamente identificada, sendo certo que se apresentam elementos respeitantes à tipologia geral dos mesmos contactos, sempre que tal seja possível e seguro.
B. DAS CONSTATAÇÕES
Dos contactos mantidos pela missão, em Pemba, foi possível recolher a seguinte informação:
1) Ao receber a mensagem de Ibraimo Mbaruco, informando-o do cerco em que se encontrava, o seu colega, Juma Saíde Alide, terá feito lembrar a Ibraimo que cedo ele (Ibraimo) teria que ir abrir a emissão da Radio e Televisão Local de Palma, propriedade do Instituto de Comunicação Social (ICS), da qual ambos são colaboradores. Esta foi a última comunicação de que se tenha conhecimento de Ibraimo;
2) Todas as autoridades locais de Palma foram informadas do desaparecimento de Ibraimo;
3) No dia 14 de Abril, a família de Ibraimo submeteu formalmente à Procuradoria Provincial de Cabo Delgado, em Pemba, queixa sobre o seu desaparecimento;
4) O MISA-Moçambique tomou conhecimento de informações postas a circular, tentando sugerir que no momento do seu desaparecimento, Ibraimo teria estado embriagado, supostamente como resultado de consumo excessivo de Nipa, uma bebida tradicional que se consome em varias regiões do Pais. Contudo, esta informação é categoricamente rebatida pela família, que diz que, por motivos religiosos, Ibraimo não consome bebidas alcoólicas;
5) Terá sido, igualmente, sugerido que o desaparecimento de Ibraimo esteja relacionado com questões passionais;
6) No dia 08 de Junho, em dois momentos distintos, familiares de Ibraimo que se encontram na província de Nampula telefonaram ao seu irmão, Juma Mbaruco, residente na cidade de Pemba, informando-o de que tinham tentado ligar para o telefone de ibraimo e que este tocava, mas que ninguém o atendia;
7) Juma Mbaruco confirma que, ao receber esta informação, tentou, por duas vezes, a partir das 17 horas 27 minutos do mesmo dia, estabelecer ligação para o numero do Ibraimo e confirmou que o mesmo estava em funcionamento, mas também não era atendido,
8) Esta informação foi comunicada ao SERNIC, através de um agente que terá solicitado que o numero lhe fosse enviado de forma a dar seguimento ao assunto.
C. CONCLUSÕES
Face aos dados recolhidos, parte dos quais o MISA Moçambique reserva-se ao direito de não os tornar público por respeito à obrigação do segredo de justiça, considera-se:
1. Que o desaparecimento do Ibraimo Mbaruco se enquadra no contexto mais amplo das violações dos direitos humanos que têm sido reportadas em certas regiões da província de Cabo-Delgado, afectadas pelo conflito armado;
2. Existem elementos bastantes que indiciam não se tratar de um simples desaparecimento, nos moldes sugeridos pelos teses sobre o seu envolvimento em bebidas alcoólicas ou questões passionais, mas sim de um crime de rapto contra o jornalista Ibraimo Mbaruco. O MISA tem de assinalar que as alegacões sobre questões passionais tem sido frequentes em situações em que jornalistas são sequestrados ou violados em Moçambique;
3. Que os dados referentes às chamadas telefónicas efectuadas ao número do Ibraimo Mburuco, no dia 08 de Junho, são suficientes para permitir que as autoridades tenham acesso à sua localização;
4. Que as circunstancias superviventes ao “desaparecimento” ao Ibrimo oferecem elementos suficientes para permitir que as autoridades determinem a sua localização;
5. Nestes termos, o MISA-Moçambique apela às autoridades nacionais para que esclareçam este caso, conduzindo, finalmente, a que no mais breve espaço de tempo, Mbaruco volte ao convívio familiar;
6. O MISA Moçambique apela igualmente às autoridades nacionais para que tomem as medidas necessária para garantir que casos idênticos não voltem a acontecer;
- FIM -